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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2006

blue

nu. puro. intenso. quente. profundo. sonho. descanso. sensual. sorriso.

pianissimo

hoje há casting na agência de actores/modelos/manequins/qualquer coisas aqui do lado. mais um dia em que não se consegue ir à casa de banho porque estão entupidas com meninas a retocar a maquilhagem ou a despejar as 3 garrafas de litro e meio de água obrigatórias para a hidratação da pele e para a dieta. vejo os rosto jovens, muitos muito novinhos mesmo. meninas, na sua maioria bonitas, de peles de porcelana, pernas compridas, cabelos num apanhado casual, com pontas estrategicamente soltas, dedos compridos e unhas impecáveis, roupa da moda em que, apesar de encasacadas, ficam lindas e nunca parecem chouriças com andar de pinguim... meninos altos e atléticos, de folhas na mão, sorrisos de aparelho acabado de tirar. meninos feitos à imagem e semelhança do mercado que pré-formata o nosso consumo. meninos mesmo dentro dos padrões que vendem ou se compram ou sei lá o quê, independentemente do que vai dentro da cabeça. olhares de esperança sabe-se lá em que futuro... tenho um casting [noutro

decorria o mui nobre e jovem ano de 2006

uma pacata família, na periferia saloia da capital, tomava a sua tradicional refeição almoçadeira de Domingo, dia santo de reunião de todos os seus elementos, dispersos pelos afazeres da semana. de narizinhos enterrados na frugal refeição de carninha grelhada, os vários elementos faziam as suas considerações acerca da vida e do seu sentido. num momento de algum silêncio compenetrado no alimento santo, a mai'nova levanta os olhos e larga num pequeno sussuro de espanto um "olha, está a nevar". os restantes elementos direccionam os gloos oculares na direcção que provocara tal altercação. no mesmo momento a mai'velha solta o seu suave manifesto de alegria e incredulidade: - FODA-SE tá a nevar! levantam-se todos de um salto e o patriarca ainda consegue ter a presença de espírito, entre o atordoado da situação, de assertivar uma reprimenda demasiado frouxa à filha mais velha: - ó Polegar, francamente, olham'essa língua... - desculpem, desculpem mas tá a nevar! mas o esp

polaroide

o patrão entrou numa escura tarde de Novembro com um caixote dos cds da banda sonora do espectáculo que levámos ao Brasil, onde se lançou a dita B.S.O.... o meu queixo caiu ao chão quando leio na parte dos agradecimentos o meu nome... pois que não estava à espera, confesso... peguei no cd e desde então raramente saía do Mac quando queria pica para trabalhar nos projectos. pois que pouco tempo depois volta ele ao fim de outra tarde escura e olheirenta com o seu I-pod, e de olhos esbugalhados, sorriso rasgado e carapinha de antenas no ar me revela um ultra-segredo... "tenho aqui um álbum que ainda não foi lançado. não podes contar a ninguém... mas ouve lá..." ora foi abanar o capacete até não poder mais. foi interromper o trabalho só para pôr mais alto e parar para ouvir e degustar. agora pergunto-lhe sempre pelo I-pod onde ainda descansa o tal segredo, que respeito e só ouço acompanhada por um adulto responsável... eeeer... bem, mais ou menos responsável... no entanto, há uns

o lado errado da avenida

caminhava ininterruptamente há muito tempo, não sabia quanto. caminhava entre palavras por dizer, entaladas no beco sem saída que o grito rasga. caminhava entre grãos de areia, minúsculos, que lhe massajavam os pés para depois lhos ferir em chagas sangrentas. sentou-se sem o suspiro do alívio. os passos seguir-se-iam, de novo. não lhe interessou olhar em volta. não lhe interessou os cheiros nem os rostos. pediu uma água e esperou. quando levou os dedos ao copo um reflexo no tampo de vidro riscado prendeu-lhe os olhos. um qualquer desassossego no cabelo comprido. um qualquer esgar perdido na pele sem sinais. prendeu-lhe os olhos. permaneceu em sombria atenção ao reflexo no vidro riscado. com medo, talvez, de levantar os olhos para se deparar com uma figura diferente daquela ali gravada a duas dimensões, recortada pela luz demasiado forte do exterior. os olhos pareciam límpidos à primeira impressão, mas algo se escondia por detrás da serenidade, demasiado transparente, demasiado simples.

ausência

falhei, outra vez. sem explicação que vá além de que as horas não esticam e que a cabeça não tem direito a parar um pouco em si. agora não. mas nem por um momento consegui associar um dia a uma data a um acontecimento especial na vida de uma pessoa especial. não há falta de sono que o justifique, não há afazeres que o justifiquem. faço agora uma pausa, sem tabaco. porque de repente aqui está o branco e eu e o Romeu na parede. uma ficou doente, os outros tinham compromissos incontornáveis. e eu sobro. mais uma vez. a papelada tem de estar em quintuplicado, sem falhas, encadernada até às 17:30 nas mãos de um qualquer funcionário que quer ir de fim de semana mais cedo. e ficou a lista do que falta terminar. eu encarrego-me disso. por uma questão de ética, da minha ética, mais do que de dever profissional a quem me paga mas depois me abandona na hora H. não vai ser por minha causa que falha. mais esse fardo não. mas fiz uma pausa, e um segundo de lembrança chega para escrever em parangonas

caros senhores do IA:

muito obrigada por me tramarem mais uma noite. uma noite que tinha excepcionalmente livre para dedicar a mim e ao meu futuro e às minhas cores. menos uma. mas cumprirei os prazos... os vossos e os meus. apesar de os vossos, oh, meus caros, por favor... deixam tudo a desejar... eu percebo-vos. os amigos já estavam informados de antemão e portanto já têm tudo feito. não se preocupam com timings. o resto se organizará conforme a Vossa palavra, alterada num decreto-lei feito à pressa na véspera da abertura do concurso. hoje ficarei, então, muitas horas depois do jantar e da caminha onde estarão as vossas queridas e frígidas esposas de máscara de pepino na cara, no escritório, que não tem café, a dedicar-me aos textos do projecto que querem que o pessoal apresente conforme os novos objectivos [diferentes a cada concurso], à coordenação do cérebro disléxico e disperso do meu patrão com as teclas. enquanto os outros dois se dedicam aos números. espero conseguir ser lesta com esta coordenação

numero 87

ao fundo dos degraus de madeira já gasta dos passos uma porta de madeira e vidro. mais dois degraus, de pedra, um pouco mais largos, para o passeio. no segundo, de pés direitos assentes na calçada, sentava-se aquele homem. todos os dias, à mesma hora. de roupa tão neutra que não se conseguia descrever. não marcava por ser de um estilo, ser velha, nova, escura, colorida, quente ou fresca. o rosto era talvez monocromático. sem nada que o descrevesse ou tornasse único, aos olhares esquivos dos muitos que ali passavam. invisível como os passos que marcavam as pedras dos degraus, uma parte do degrau, talvez, que ocupava. uma parte da fachada do edifício que lhe servia de moldura. estático, como uma gárgula de carne e nervos desfocada da erosão dos dias. ficava direito, as costas largas apoiadas no vidro. um contraste de sombra perfeitamente delineado na luz errante do meio da tarde. poder-se-ia jurar que deixara já queimado no vidro esse seu contorno das costas. as mãos, nem curtas nem comp

da pressa

desejando estar noutro qualquer sítio, vendo as árvores e os candeeiros a fugirem dos olhos nervosos. as mãos fechadas, estáticas, cravadas em tensão nos estofos do carro e as pernas completamente rígidas carregavam num travão invisível, na desesperança de ver chegar uma curva cheia de poças de água e temendo o descontrole de uma coisa tão falível como uma caixa de metal com rodas conduzida por um louco furioso. as horas escorregavam nos vidros de forma dolorosa e nem a música cantada alto - desavergonhada porque desesperadamente - espantava os medos obscuros e as visões de uma noite escura em que o som da chuva soou demasiado alto e só parou num estrondo ensurdecedor. o homem ao volante, de cenho franzido e movimentos incertos, tomava agora - tenho a certeza - contornos quase monstruosos, de ser mutante, umas horas atrás pessoa normal, agora quasi-homicida. às vezes não percebo as pessoas, juro que não percebo. o desprendimento com que se toma responsabilidade sobre a vida dos outros.

maldisse

o dia cinzento com o sol mesmo ali, do lado de lá, mas na mesma cinzento. o frio ainda maior que fazia nos claustros toda a manhã. o facto de o trabalho começar cedo demais para tomar o pequeno almoço e acabar tarde demais para almoçar. o peso das coisas que tinha de carregar. as unhas partidas, agora que conseguira deixar de as roer, por causa dos ferros, tapetes e parafusos. os irresponsáveis institucionais com que tinha de lidar que tinham perdido uma chave e já a queriam acusar a ela. o tempo que demorava a chegar depois de tudo ao escritório. o facto de ter de ir para o escritório depois de tudo. o facto de lhe apetecer ficar sentada a olhar para a parede sem produzir a uma semana da entrega dos projectos. a incapacidade de se sentar a comer como deve ser sem companhia. a incapacidade de se sentar a comer como deve ser. a torrada com demasiado sal, sal só nas batatas fritas. o galão demasiado amargo. o estado letárgico que a impedia de se levantar e pegar noutro pacote de açúcar.

arrepios

numa dessas longas noites de trabalho, quando o cigarro à porta não sabe tão bem porque o vento enregela os dedos, quando apenas algumas luzes se mantêm acesas nas janelas da rua escura, num pequeno estúdio dos arredores de Lisboa, o trabalho tem de ser feito. doa a quem doer... care bears | ep. 28 | personagem "arrepios" | take 1 nota: não recomendável a pessoas algo sensíveis. não ouvir com o patrão por perto.

thumbelina's law

uma colega teve um pequeno acidente. culpada por azar, porque o outro é que ia a abrir. ouço-a a manhã toda, enquanto enrolamos cabos e espalhamos panos e aparafusamos, ao telefone com a mãe, que está na seguradora por ela. de regresso ao escritório, ela dá-me boleia. chamadas insistentes de um número desconhecido. pára na berma e atende. do outro lado berreiro. touro com ascendente em virgem já se sabe... exalta-se, responde já sem paciência porque a senhora esposa do condutor telefona com acusações, depois de o próprio ter passado a semana a ligar-lhe com ameaças. desliga o telefone na cara da mulher e acende um cigarro. eu acendo outro e sorrio quando o telefone volta a tocar. estendo a mão perante a cara estupefacta da minha colega e atendo, piscando-lhe o olho e com uma longa inspiração. endireito as costas, traço a perna, voz colocada e extremamente calma. vou-me divertir... - muito boa tarde. ouço uma respiração como se fosse começar um ataque e ficasse desarmada. - ... b-b-boa

a girl has got to do what a girl has got to do

[ms] na sequência do abrupto falecimento do meu jippy, depois das mentiras mal mastigadas do outro senhor - que nem a companhia de seguros dele convenceu -, depois da vitória do Bem sobre o Mal, depois de ter recebido oficialmente e peremptoriamente a confirmação do perito de que foi "perda total", e dado que o processo burocrático todo está a chegar ao fim, vejo-me perante a necessidade de comprar um novo carro. não novo-novo, claro, porque o montante não dá para tanto, mas um usado em bom estado. pensei muito em guardar este dinheiro e comprar uma vespa, mas infelizmente preciso mesmo de quatro rodas com chapa à volta para os meus carregos em dias de chuva, para não ter de viver em função de empréstimos da boa vontade alheia, que tem limite de paciência e vida própria... por isso, venho pedir ajuda a todos os polegares que por aqui passam: um carro recente [tipo 2002 - 2003] que beba pouco, que seja de confiança a conduzir, que não tenha revisões [normais] muito caras, que

a noiva

abre os olhos ainda não acordou o mundo. na janela ainda sem cortina passam pequenos raios de luz, tímidos, dando-lhe os solitários bons dias. a cama demasiado grande sem o outro corpo que a escolheu, revolvida da noite sem sono de borboletas na barriga, as paredes ainda largando o cheiro da tinta pintada a dois há poucos dias. larga os lençóis e a preguiça hesitante. ele já terá acordado? a água escorre fervente pelo corpo que teima em manter-se arrepiado e tenso. perde mais tempo no creme com o cheiro do perfume que a pele absorve, sedenta. umas calças de ganga, um casaquinho e rabo de cavalo. acende as luzes da cozinha e engole sem vontade uma torrada. o telefone toca pela primeira vez. não é ele, hoje recusa-se a falar com ela. a amiga está lá em baixo à espera. desce com a carteira e telemóvel no bolso do casaco e chaves atrapalhadas na mão. a conversa amena distrai-a e as revistas no cabeleireiro também. ele ter-se-á lembrado da flor para a lapela ou irá levar a teima dele avante

still in rebounce

hoje fiz uma coisa que me espantou a mim própria. recusei um trabalho em teatro. os motivos são meus. muito meus. mas pela primeira vez inspirei fundo e disse que não. depois de experimentar, claro. as forças já não são as que eram, e curiosamente as ilusões também não. pesei na balança os prós e os contras, as pálpebras pesaram-me e o peito pesou-me. senti-me estranha, diferente e tive medo de me sentir injusta. com os outros e comigo. entre o "há-de aparecer qualquer coisa que valha a pena", o "estás a ficar velha, oportunidades não caem do céu" e "ainda achas que vais chegar a algum lado assim?" ou até "mais vale saíres agora do que não teres coragem para sair depois" puxei de uma golfada de ar sem cigarro e no suspiro deixei sair a razão. assim não, por desespero não. por amor. por orgulho. como sempre foi. ... se calhar estou mesmo a ficar velha... mas nesse caso com a idade não vem a sanidade, senhores...

do sono ou como enlouquecer uma produtora

deixo-me dormir mais 20 minutos e chego os mesmo 20 atrasada ao tal do monumento para a montagem. os carregadores já lá estão e começamos a labuta. da colega [substituta, esta semana, mas igualmente franzina, só que mais nervosa e caótica] nem sombra. começo logo a remoer, ela no dia anterior tinha-me pedido para a acordar, o que fiz, contrariada e avisando que isso é favor que só faço uma vez. pego no telefone pronta a ouvir a coisa do "está trânsito" ou "adormeci mas já tou a caminho". ouço uma voz de almofada que me arrepia toda. "então, V.?" "então o quê?" "espectáculo... remember?" "mas que horas são?" aieee "9:30" "ai, desculpa, vou já para aí". chegou estava quase tudo montado. uma hora e dez depois de mim. com a loucura da confusão de berbequins e porcas e panejamento, nem dei conta das horas nem das pessoas que já estavam. entra uma das actrizes a cantar "lágrima" e o mundo pára um bocadi

imagens

de um branco leitoso e sorrisos de luzes. de pincéis desenhando meigos com pó as linhas da alegria. de orgulhos alheios e cumplicidades. divago algo alheia, satisfeita com as mãos dadas e o sim das certezas, com banda sonora fraterna. crenças à parte. teorias à parte. amor é universal e a lei que gosto de seguir. de lágrimas nos olhos, pois que chorona sempre serei quando chega a altura em que o filme é delico-doce e escorre nos meus olhos em toque de realidade. e sigo com os olhos e a câmara para mais tarde recordar, os passos decididos num caminho de pedras sem dores. o arrulhar dos talheres, os fumos, os goles embriagados e as conversas dispersas não me prendem. anseio pelo momento prometido em que os sons serão outros, compassados, trementes e suados. e assim entro na nova data, no novo número. dançando voraz cada nota bem disposta, rodando e arrancando sorrisos meus. ao som de uma qualquer música velhinha de rock and roll.