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Mensagens

A mostrar mensagens de agosto, 2006

bocas doces

no meio da colecção das embalagens antigas, há sempre uma tradição que se mantém. essa, mais que para fazer uma colagem de latas de farinhas alimentícias e caixinhas de chás e pós aromáticos, é uma constante nas línguas gulosas. nos dias de calor, observar o caramelo a escorrer lânguidamente pela forma transparente enquanto se espera que a mistura ferva no leite e adivinhar, depois de um tempo de frigorífico, o eterno sabor de infância, fresco e doce, desfazer-se na boca. sem gosto da Ásia, verdade, mas açucarado como uma gargalhada embriagada de tempo bem passado. pés descalços na pedra fria, prato na mão. na sala canta com grãos de areia na voz um antigo vinil. fotografias a preto e branco, debotadas e dobradas nas pontinhas. inventam-se histórias para rostos desconhecidos. gotas de caramelo confundem-se no suor de uma colherada atabalhoada...

quantum leap

a insónia tem destas coisas... quando a ansiedade se apodera de nós, no desespero de encontrar distracção das palpitações e não querendo cair na teia dos ansiolíticos, saltitamos de nenúfar virtual em nenúfar virtual até dar com um qualquer blog [que no dia seguinte já não conseguimos lembrar, tal era a trip onírica de sono que para aqui andava] onde um vídeo nos aguça os despojos de curiosidade ainda despertos. hoje sou uma mulher nova. renasci das cinzas da vida boémia e converti-me. eu até já gostava de sabrinas, mas isto... isto é a epifania por que todos ansiamos ao longo de toda uma vida, a revelação a que só alguns chegam. eu posso dizer: vi a luz! e não me refiro ao écran do computador às 5 da manhã... não, isto é the real thing! eu sabia que havia uma razão para não ter TV Cabo: era um sinal divino! oh sim! oh sim! era tudo o que eu esperava! agora sim, terei uma juventude sem mácula ... e cantem, cantem comigo: Hagamos juntos, este crucigrama Aplacemos lo otro para mañana Can

enquanto houver estrada para andar

se tudo fosse asfalto. se tudo fosse o vento a envolver-me em giestas, pinheiros e eucaliptos. se tudo fosse um horizonte que se desnivela conforme as curvas da estrada. se tudo fosse já ali, não interessa onde. o calor a lamber-me o suor, o frio a rasgar-me os olhos. a sombra presença constante nos riscos, socalcos e vegetação, nos verdes, nos ocres, nas papoilas, nos prédios, nos girassóis. os mapas e as decisões aleatórias, como as linhas das mãos. um tecto enrolado atrás de mim, ou a vaga ideia de uns lençóis brancos algures. se tudo fosse o teu cheiro a brincar nos meus cabelos. o ronronar do motor e o recorte perfeito do teu pescoço. se tudo fosse o adejar da tua camisa, para o assomar das tuas sardas onde passeio os dedos, onde descanso enfim.

varanda

o dia vai silenciando os movimentos. já se conseguem contar as luzes em volta. luzes de presença no breu cálido da vaga de calor que não amaina depois do crepúsculo. no anonimato de mais um andar, os movimentos lentos de quem procura uma brisa que alivie as gotas de suor. ecos vagos de vidas que adormecem. abrandados pelo peso quente do ar. um jornal virado. um riso jocoso vindo da tasca ao fundo. um carro que passa. pratos tilintam num lava-louças. uma tosse. um choro de bebé. numa janela recortam-se dois corpos. preparativos do sono perante cortinas abertas. devem falar de como correu o dia. ou outra conversa qualquer. corriqueira. rotineira. sente-se nos gestos afastados e casuais. ele adormece de costas para ela, que lê. daqui a nada ele reclamará do calor da luz acesa. mas na varanda já se desviaram os olhos. para o céu pontilhado de branco que se confunde com a montanha em frente pontilhada de laranjas. pontilhada de vidas. respira-se devagar, espera-se ainda a piedade de um sopr

floribelas

suo por todos os poros. não aguento quando a ventoinha se afasta de mim. zapping de tarde. estou a tentar poupar os DVD's de "O Sexo e a Cidade", os filmes emprestados, os livros. dou uma desesperada oportunidade aos programas da tarde da televisão nacional. do alegre Malato e as suas velhinhas e emigrantes, salto para uma qualquer coisa sobre segurança no trabalho, e depois para... um concurso de mini-Floribelas. sim. as crianças deste país adoram a menina das flores e das saias às flores, e as canções das flores e as purpurinas e o enredo de novela mexicana... com flores. querem ser tal como ela. e o abençoado canal responsável pela súbita explosão de adeptos à horticultura continua a exploração até ao tutano desse grande acontecimento cultural. agora as nossas crianças mandam vídeos das suas interpretações e coreografias, desenhos, e têm até direito a aparecer no prime time das donas de casa: os programas da tarde. ali estavam: três meninas pequenitas que tinham de can

o trauma de agosto

pequena explicação: há quem trabalhe neste país a recibos verdes porque não tem outra hipótese. não falo de advogados nem de médicos, falo de mim e, como eu, de outros tantos. nesta situação, misturam-se num estranho limbo os "direitos" de quem trabalha como independente e os "deveres" da entidade patronal, que nos contrata a recibos mas depois... horários de trabalho iguais aos dos contratos, às vezes piores, ficamos nós encarregues dos próprios descontos, não há cá 13º mês ou subsídiio de férias e a santa entidade resguarda-se a possibilidade de suspender o trabalho quando não quer/não pode pagar. não há espectáculos desde Junho. portanto, não há dinheiro a entrar... não há produção em Agosto,porque os "todo-lo-mandas" deste país e respectivos assessores, secretárias e empregadas da limpeza vão de férias. por escala. ou seja: na primeira parte do mês vai o patrão e é preciso uma assinatura ou um parecer, na segunda parte vai o assessor e sem ele a reuniã