onde é que estamos? será por aqui? acho que sim, lembro-me da igreja enfeitada. tanta gente, que confusão. vê lá não atropeles nenhuma velhota. que horas são? interessa? não. queres ir? e tu, queres ir?
o sorriso não mente. são perdidos e achados no meio dos montes, são encontros com as fileiras de lâmpadas coloridas. ali ao canto viram-se frangos e não se vê mais que as mãos no nevoeiro aromático. cheira a comida e a doces, a farturas cheias de açúcar. a olhos açucarados. depois da alma lavada no rio, raspada com cuidado nos seixos para sair a fuligem, sujam-se os pés na terra pura do chão da aldeia. as vozes abafadas pelos microfones, o acordeão, os ferrinhos, a pandeireta. as cores fortes e o aroma inconfundível dos dias de infância.
compra-me um balão. estás a brincar? não, compra-me um balão. qual queres? adivinha.
era esse mesmo. os dedos cuidadosos envolvem o pulso com o cordel. como dantes se fazia para não se perder o balão. os olhos curiosos de uma menina a ver outra já grande de risota com um urso azul. rodopia pelo chão, levanta pó como ela, a menina, gostava de fazer, mas o vestido é novo e tem de se vestir de festa. a dança é a dois, dois grandes ali no meio, de sandálias ainda molhadas do rio, não têm medo de sujar os pés, que no despique com o desfile de cores, chegam à meta gulosa.
queres? eu não. ó senhor é um bem aviadinho que eu sou gulosa e ele diz sempre que não quer, mas rouba-me sempre quase metade
ó senhor das faces redondas, coradas, boné de tecido grosso, algures entre o incrédulo e o bem disposto, faz-me um algodão doce. os dedos rodam sobre si mesmos, fazendo dançar o pauzinho. cresce a pequena nuvem de fiapos que se vão juntando, perante uns olhos tão ansiosos e brilhantes de estrelas de massapão como eram há tantos anos. agora cresce cor de rosa. dantes era mesmo branquinha, como as do céu. os fios ainda hoje surgem como por magia nas paredes de metal. de onde vêm os pauzinhos? no tempo das papoilas pensava que havia uma árvore cujos galhos eram assim. compridos, finos e lisinhos. de quatro faces. e que o algodão doce era raptado das nuvens em dias de neblina matinal e vento fraco a moderado, naquela hora do lusco-fusco em que toda a gente dorme e elas passeiam mais à vontade cá em baixo. depois era só juntar açúcar.
pronto, gulosona, já está satisfeita? pronto digo eu, já estás a roubar-me o algodão! vamos dar uma voltinha. sim, vamos. olha as rifas são só pratos e terrinas! um luxo, um luxo. ai, controla o balão que está a bater em toda a gente. desculpe, desculpe. a banda desafinou. queres dançar?
se me fotografasses agora verias o meu espírito. as auras, a alma e todos os fenómenos paranormais. em fogo de artifício suave, de mão dada e sorriso rasgado, sem vergonha de ser menina, em noites de verão com nuvens de algodão doce.
[ms]
Comentários
(Por ser para ti, não vejo necessidade de dizer mais nada.)
R.
Maravilhosa a maneira como escreves, senti o cheiro e o doce do açucar, a musica dos carroceis, o pregão que sai solto e descompassado....
Obrigada pela viagem. B.
MPR: é o melhor cartão de visita...
Mary: estas noites não se encontram. encontram-nos. são prendas ;)
R.: é tão barato quanto simples é a alma... obrigada pela honra da visita :P
B.: gosto de te levar na bagagem eheh
contigo foi o retornar à feira, onde vivíamos uma/duas vezes por ano a alegria da confusão e profusão de cores, sons e cheiros - comigo, foi a memória de uma velha mercearia (http://apoeiradosdias.blogspot.com/2006/09/mercearia.html>).
realmente, nunca parámos para pensar que, se calhar, não estamos ainda preparados para a idade-adulta.
macaso: eu vi a feira ;) e não te preocupes, depois das ressacas ficam as coisas boas e o desejo de ir a mais e mais e mais sítios...