criação: Teatro Meridional
concepção | direcção cénica: Miguel Seabra
interpretação: Carla Galvão, Carla Maciel, Fernando Mota, Mónica Garnel, Pedro Gil, Pedro Martinez, Romeu Costa
no Teatro Meridional até 23 de Dezembro
4ª a Sexta às 22:00, Sábado às 17:00 e 22:00
Rua do Açúcar | Poço do Bispo
reservas: 218 689 245
o ar é frio e corta. na zona de armazéns estranhos para os lados do Beato, o grupo do Teatro Meridional já tem a sua casinha pronta. um edifício industrial todo recuperado, em tijolo vermelho. lá dentro, um tecto alto de traves pintadas, decoração simples onde apetece estar. bonito, acolhedor, com bom gosto. velas e aquecedores a gás [bom investimento], café de saco à discrição em self-service. o sorriso do rapaz da bilheteira também aquece. o programa é de borla e oferecem um livrinho com turismo de habitação da região de Trás-os-Montes. dá para ir lendo e fumar um cigarro, encontrar casinhas bonitas com preços apetecíveis. já começou a viagem e nem nos demos conta.
depois, entra-se na sala pequena de palco raso, muito fria. mas não faz mal. estamos em Trás-os-Montes. e começa. com sons, numa penumbra onde se recorta apenas o que nos deixam ver, em azuis e laranjas. sons de instrumentos estranhos, tocados à nossa frente. depois as vozes. e depois o turbilhão de pessoas, de transmontanos.
sem "deixas", sem texto, sem "dramaturgia"... muito trabalho de corpo e uma concentração notável digna do momento fantástico que supostamente acontece apenas uma vez em que um improviso sai genial. aqui não há improvisos. há uma contradança milimetricamente marcada, o som conjugado com cada movimento. há coreografias de maneirismos, de expressões, de cacofonias, de cantares, de objectos que são músicas. há fantoches que são pessoas e pessoas que são fantoches. há o sotaque assobiado e as canções que arrepiam. há as velhinhas. há os pastores. há os passos que não fazem barulho e que assim é que fazem sentido. há ilusionismo feito com os corpos e com os rostos e com figurinos que, a par dos objectos e do som e daquelas pessoas, nos levam no espaço e no tempo. sentimos o toque dos xistos, das madeiras, dos artefactos, dos fios tecidos à nossa frente, o crepitar de uma lareira que nunca vimos nas bochechas. invade-nos. em silêncios e sons compassados. em respirações e traços desenhados com o pincel do instinto, com a tinta das entranhas.
são sessenta e cinco minutos sensoriais, em que vemos, ouvimos, sentimos nitidamente retalhos. poesias visuais. recortes de vidas que este grupo - na verdadeira acepção da palavra - por lá absorveu e para cá veio tecer.
assim sim, vale a pena ver uma companhia subsidiada.
estão nas últimas representações mas merecem, ou nós merecemos, uma alteração nas agendas e nas compras para nos embriagarmos com estes licores de raízes e gestos.
Comentários
venham mais.
Um beijo
Daniel
irei a uma próxima peça, conhecer o espaço tb...)
Bom Ano Novo... quase quase.
:)
Beijinhos
Não posso dizer que é mau mas foi uma desilusão. Esperava muito mais do meridional.
carlos: percebo-te. consigo ver a tua perspectiva. no entanto, para mim, foi mágico.
daniel: que venham as coisas boas ;))
intruso: eles têm produção frequente... a ver se mantêm a qualidade.
elisa: bom 2007!
ana: pois que de facto não consigo concordar contigo. mas o bom destas coisas é que não interessa nada, há público para tudo. a mim conseguiram fazer-me viajar.
rodrigo: isso do não haver trabalho de actor é muito discutível. nada do que está ali é gratuito ou feito sem conhecimento de causa. tenho noção disso por duas razões: tenho raízes transmontanas e sou actriz, tendo feito muitos exercícios naquele estilo. nunca nenhum virou peça, é um facto, porque sempre fiz coisas mais... como dizer sem meter um rótulo... convencionais. compreendo que se possa sentir a falta de texto, de individualização, de rasgos de interpretação genial como dizia o carlos...mas para mim foi suficiente para me fazer estar lá.
moda? lamento, bateste à porta errada. sou do menos "tá na moda que há". nunca gostei dos artistas unidos nem do bando. e até tenho as minhas reticências relativamente à cornucópia (pronto, agora é que me crucificam...)
temos pena, mas os "meridionais caíram-me no goto e até agora não me desiludiram.
mas como disse, isto são tudo opiniões.
bom ano a todos!
Concordo com o rodrigo quando diz que não há trabalho de actor e com a ana quando diz que esperava mais do meridional. Depois do "para alem do tejo" e do "À Manhã", a espectativa era alta e a desilusão foi muita.
Achei bonito mas despido de conteúdo. As avulosas "mensagens" sensoriais vão-nos guiando mas não nos levam a lado nenhum.
No fim... fica o belo trabalho musical e um ou dois momentos bem conseguidos.
Ao contrário do Espectáculo "À manhã" que me deixou rendida.