eu estou a recibos verdes. dos verdadeiros, em 70% das situações.
o que é que estar a recibos verdes implica?
implica tão somente estar à mercê de venetas.
a veneta consiste de várias sub-venetas, uma delas é o "nós pagamos este serviço com este valor e pronto, se não quer, há-de haver quem queira".
pode ser um "afinal não me apetece trabalhar mais com esta pessoa". e eu não sei de nada, nem sou informada, quanto mais consultada na decisão para tentar negociar, simplesmente de repente não tenho dinheiro para comer.
pode ser também o "nós pagamos a 90 dias a partir de uma data que não lhe vamos transmitir. logo mandamos um e-mail e depois logo vê quanto tem a receber". e ai de quem telefone a perguntar para quando está previsto... pode ser que deixe de trabalhar ali...
até pode implicar "entrega o seu recibo verde semanas antes de nós procedermos à transferência sob pena de, se não o fizer, não recebe e deixa de trabalhar connosco".
depois há o "agora os valores mudaram e não temos nada que avisar ninguém".
ou até mesmo "resolvemos 'castigá-lo' por dá cá aquela palha e o valor acordado - verbalmente, claro - foi à vida".
e a clássica, a veneta da insistência de não pagar o verdadeiro recibo verde pelo que é, a intermitência. de um serviço especializado.
estas venetas, "house rules", fazem com que, na prática, se mantenha uma actividade aberta em meses em que afinal não temos nada a receber, ou, surpresa, uns 20 euros. mas andamos nesses meses a trabalhar para meses futuros, sem vida para estar nas filas da loja do cidadão das 9 às 5 a corrigir burocracia.
também fazem com que as empresas, quando resolvem fazer acertos no fim do ano para fugirem aos impostos do que aí vem, resolvam pagar tudo de uma vez. sim, faz falta para o Natal, mas é capaz de lixar o IVA de um momento para o outro.
fazem com que o brio profissional seja visto como uma mania.
fazem com que passemos meses a trabalhar antes de vermos sequer o primeiro pagamento.
fazem com que de repente nos vejamos sem nada.
fazem com que não possamos contar com nada.
fazem, sim, com que adiemos filhos. e casas melhores. e - para os mais precavidos como eu - consumos mais altos sem ter o dinheiro-todo-líquido na mão. fazem com que se evite todo o tipo de prestação. e com que se evite todo o tipo de pequeno prazer porque esse dinheiro pode fazer falta para qualquer coisa daqui a bocado. quanto mais o futuro.
e depois há o pequeno problema de metade do que ganhamos ser completa e imediatamente tragado pelo "Sistema", apesar de em troca não termos direito a nada.
nem sequer contamos para um qualquer censo de desemprego quando estamos "entre projectos".
e sim, temos de fazer sacrifícios, mas então e todas as despesas não contabilizadas não são já sacrifícios? porque o que o IRS pressupõe que usamos para despesas não está lá muito perto da verdade... a prestação e manutenção do carro, a gasolina, estacionamento e as portagens diárias (porque o meu país chutou-me para o subúrbio em prol de uma cidade de fachadas ocas e morta às 7 da tarde, e não me dá transportes que me permitam andar a correr de estaminé em estaminé em tempo útil - que muitas vezes se estende noite dentro), as refeições fora num algures indeterminado, as chamadas telefónicas para marcar remarcar e desmarcar, a internet para gerir todas as burocracias, as pesquisas, as organizações da vida, e, pois, as águas, vitaminas e quejandos suplementos que me mantêm funcional porque tenho de trabalhar doente, até mesmo certos tratamentos que são considerados luxo e não medicina mas de que necessito para manter a minha actividade, sem falar na formação que não conta para descontos, ou nos cafés para me manter acordada nos dias de 14 horas, os livros para estudar o próximo trabalho... não são 30% do meu rendimento.
não, são investimentos da minha parte na produtividade nacional, a cada moeda de 50 cêntimos.
no fundo, é outra veneta, a tabelação dos impostos: fomos todos tabelados pelos "outros" recibos verdes: os médicos e advogados. mas não fazemos 150 euros por uma consulta de meia hora.
é por isso. não me vou queixar. vou estar presente, solenemente, sem partir nada nem mandar ninguém para lado nenhum. na minha dignidade, no meu brio, com respeito por mim acima de tudo, vou lá estar. para por uma vez contar para uma qualquer percentagem que diga "ah, afinal eles são mais do que fingimos que não eram. nas mais variadas situações, com um elemento comum. a precariedade."
não quero fazer cair um governo para vir outro que já sabemos como é, que vai dar ao mesmo. não me iludo com sindicatos, que nunca soube o que era um 13º mês. não escolho outro trabalho, porque é isto que sou, que sei, em que me especializei.
não fecho, no entanto, os olhos a todos à minha volta, que são o sustento do meu país e tratados como corja preguiçosa porque não encontram um contrato merecido ou condições mínimas para trabalhar numa intermitência que, sim existe e é necessária, mas tem de ser repensada.
quero deixar de ser abstracta.
o que é que estar a recibos verdes implica?
implica tão somente estar à mercê de venetas.
a veneta consiste de várias sub-venetas, uma delas é o "nós pagamos este serviço com este valor e pronto, se não quer, há-de haver quem queira".
pode ser um "afinal não me apetece trabalhar mais com esta pessoa". e eu não sei de nada, nem sou informada, quanto mais consultada na decisão para tentar negociar, simplesmente de repente não tenho dinheiro para comer.
pode ser também o "nós pagamos a 90 dias a partir de uma data que não lhe vamos transmitir. logo mandamos um e-mail e depois logo vê quanto tem a receber". e ai de quem telefone a perguntar para quando está previsto... pode ser que deixe de trabalhar ali...
até pode implicar "entrega o seu recibo verde semanas antes de nós procedermos à transferência sob pena de, se não o fizer, não recebe e deixa de trabalhar connosco".
depois há o "agora os valores mudaram e não temos nada que avisar ninguém".
ou até mesmo "resolvemos 'castigá-lo' por dá cá aquela palha e o valor acordado - verbalmente, claro - foi à vida".
e a clássica, a veneta da insistência de não pagar o verdadeiro recibo verde pelo que é, a intermitência. de um serviço especializado.
estas venetas, "house rules", fazem com que, na prática, se mantenha uma actividade aberta em meses em que afinal não temos nada a receber, ou, surpresa, uns 20 euros. mas andamos nesses meses a trabalhar para meses futuros, sem vida para estar nas filas da loja do cidadão das 9 às 5 a corrigir burocracia.
também fazem com que as empresas, quando resolvem fazer acertos no fim do ano para fugirem aos impostos do que aí vem, resolvam pagar tudo de uma vez. sim, faz falta para o Natal, mas é capaz de lixar o IVA de um momento para o outro.
fazem com que o brio profissional seja visto como uma mania.
fazem com que passemos meses a trabalhar antes de vermos sequer o primeiro pagamento.
fazem com que de repente nos vejamos sem nada.
fazem com que não possamos contar com nada.
fazem, sim, com que adiemos filhos. e casas melhores. e - para os mais precavidos como eu - consumos mais altos sem ter o dinheiro-todo-líquido na mão. fazem com que se evite todo o tipo de prestação. e com que se evite todo o tipo de pequeno prazer porque esse dinheiro pode fazer falta para qualquer coisa daqui a bocado. quanto mais o futuro.
e depois há o pequeno problema de metade do que ganhamos ser completa e imediatamente tragado pelo "Sistema", apesar de em troca não termos direito a nada.
nem sequer contamos para um qualquer censo de desemprego quando estamos "entre projectos".
e sim, temos de fazer sacrifícios, mas então e todas as despesas não contabilizadas não são já sacrifícios? porque o que o IRS pressupõe que usamos para despesas não está lá muito perto da verdade... a prestação e manutenção do carro, a gasolina, estacionamento e as portagens diárias (porque o meu país chutou-me para o subúrbio em prol de uma cidade de fachadas ocas e morta às 7 da tarde, e não me dá transportes que me permitam andar a correr de estaminé em estaminé em tempo útil - que muitas vezes se estende noite dentro), as refeições fora num algures indeterminado, as chamadas telefónicas para marcar remarcar e desmarcar, a internet para gerir todas as burocracias, as pesquisas, as organizações da vida, e, pois, as águas, vitaminas e quejandos suplementos que me mantêm funcional porque tenho de trabalhar doente, até mesmo certos tratamentos que são considerados luxo e não medicina mas de que necessito para manter a minha actividade, sem falar na formação que não conta para descontos, ou nos cafés para me manter acordada nos dias de 14 horas, os livros para estudar o próximo trabalho... não são 30% do meu rendimento.
não, são investimentos da minha parte na produtividade nacional, a cada moeda de 50 cêntimos.
no fundo, é outra veneta, a tabelação dos impostos: fomos todos tabelados pelos "outros" recibos verdes: os médicos e advogados. mas não fazemos 150 euros por uma consulta de meia hora.
é por isso. não me vou queixar. vou estar presente, solenemente, sem partir nada nem mandar ninguém para lado nenhum. na minha dignidade, no meu brio, com respeito por mim acima de tudo, vou lá estar. para por uma vez contar para uma qualquer percentagem que diga "ah, afinal eles são mais do que fingimos que não eram. nas mais variadas situações, com um elemento comum. a precariedade."
não quero fazer cair um governo para vir outro que já sabemos como é, que vai dar ao mesmo. não me iludo com sindicatos, que nunca soube o que era um 13º mês. não escolho outro trabalho, porque é isto que sou, que sei, em que me especializei.
não fecho, no entanto, os olhos a todos à minha volta, que são o sustento do meu país e tratados como corja preguiçosa porque não encontram um contrato merecido ou condições mínimas para trabalhar numa intermitência que, sim existe e é necessária, mas tem de ser repensada.
quero deixar de ser abstracta.
Comentários
não abona a vosso favor o notar-se que houve uma pesquisa no google por palavras-chave, leram as primeiras palavras para se assegurarem da "onda" do post, e vai de meter um comentário...
até Sábado, mesmo assim :)