procurou o conforto do assento atapetado meio curvo da carruagem, onde as suas costas não encaixavam bem. deixou-se embalar pelos roncos ecoantes da velocidade e pelos espasmos de cada paragem. os cheiros e vozes à sua volta contavam-lhe as histórias de cada um e de ninguém ao certo. também não interessava. a cada zumbido de portas deslizantes a azáfama dos pés apressados e rabugentos. os encontrões surdos e as malas das senhoras a baterem nas cadeiras. "com licença" "desculpe" "quer-se sentar?". os sacos de plástico numa restolhada. os anéis a tinir nos ferros.
de súbito, um perfume. não se mexeu, mas os seus músculos retesaram-se sem clemência para os sentidos assustados. nos solavancos ritmados subiu a música há muito adormecida, desperta pelo aroma que agora lhe trazia à lingua o sabor amargo e revitalizante do perfume acabado de pôr. ao seu lado o calor de uma perna. mesmo ao lado da sua. uma simples perna, um membro do corpo humano. que transportava em si o perfume mas não o cheiro. e um calor, uma queimadura.
as imagens assolavam-na em rasgos de luz que esquecera. que arrumara numa prateleira juntamente com o olhar. o calor do corpo dele em doses de loucura e maciez. um pescoço moreno e aquele ponto no centro do peito. zonas onde se acumulavam. as mãos dela, o perfume e o cheiro dele. e o odor do amor acabado de fazer, de partilhar, de lamber, de gritar e de segredar.
as imagens desvaneceram-se quando quis lembrar-se. lembrar-se do brilho dos olhos dele, aquele brilho que a levara sempre. e que levara sempre com ela. mas que não conseguia visualizar. era demasiada luz, talvez.
abranda o comboio. o movimento da perna masculina ao seu lado confessando-lhe que tinha de se ir embora. um toque de mão grande e perfumada inusitado no seu ombro por um solavanco encurvado que provocou um desequilíbrio. continuou sem se mexer. ao pedido de desculpas respondeu um sorriso aterrorizado.
porque agora o comboio não a embalava. eram de novo as vergastadas no carro no dia em que o perdera. em que o vira pela última vez. deitado ao seu lado num qualquer monte de entulho e ervas daninhas.
desorientada, afastou os pensamentos, inclinou-se para a presença à sua frente e perguntou em que paragem estavam. a sua era a próxima. uma qualquer mão caridosa de pele fina de menina nova ajudou-a a levantar-se e a aliviar a sua pressa. de um gesto mecânico, abriu a mão e na bengala o chão ganhou contornos de pés e sacos de plástico. o vazio entre a carruagem e o cais. tacteou os óculos escuros e compôs o cabelo. e concentrou os sentidos no ritmo da bengala, cantando-lhe para os dedos o caminho na triste melodia de cada dia que passa igual.
de súbito, um perfume. não se mexeu, mas os seus músculos retesaram-se sem clemência para os sentidos assustados. nos solavancos ritmados subiu a música há muito adormecida, desperta pelo aroma que agora lhe trazia à lingua o sabor amargo e revitalizante do perfume acabado de pôr. ao seu lado o calor de uma perna. mesmo ao lado da sua. uma simples perna, um membro do corpo humano. que transportava em si o perfume mas não o cheiro. e um calor, uma queimadura.
as imagens assolavam-na em rasgos de luz que esquecera. que arrumara numa prateleira juntamente com o olhar. o calor do corpo dele em doses de loucura e maciez. um pescoço moreno e aquele ponto no centro do peito. zonas onde se acumulavam. as mãos dela, o perfume e o cheiro dele. e o odor do amor acabado de fazer, de partilhar, de lamber, de gritar e de segredar.
as imagens desvaneceram-se quando quis lembrar-se. lembrar-se do brilho dos olhos dele, aquele brilho que a levara sempre. e que levara sempre com ela. mas que não conseguia visualizar. era demasiada luz, talvez.
abranda o comboio. o movimento da perna masculina ao seu lado confessando-lhe que tinha de se ir embora. um toque de mão grande e perfumada inusitado no seu ombro por um solavanco encurvado que provocou um desequilíbrio. continuou sem se mexer. ao pedido de desculpas respondeu um sorriso aterrorizado.
porque agora o comboio não a embalava. eram de novo as vergastadas no carro no dia em que o perdera. em que o vira pela última vez. deitado ao seu lado num qualquer monte de entulho e ervas daninhas.
desorientada, afastou os pensamentos, inclinou-se para a presença à sua frente e perguntou em que paragem estavam. a sua era a próxima. uma qualquer mão caridosa de pele fina de menina nova ajudou-a a levantar-se e a aliviar a sua pressa. de um gesto mecânico, abriu a mão e na bengala o chão ganhou contornos de pés e sacos de plástico. o vazio entre a carruagem e o cais. tacteou os óculos escuros e compôs o cabelo. e concentrou os sentidos no ritmo da bengala, cantando-lhe para os dedos o caminho na triste melodia de cada dia que passa igual.
Comentários
Fica bem...
Tem um bom ano!