há anos que não ia ali. o meu restaurante preferido. com paredes coloridas repletas de fotos a preto e branco, velas nas mesas, ambiente suave, jazzie e descontraído, empregados jovens e bem-dispostos e a melhor comida do mundo, num dos melhores bairros do mundo, Alfama. permiti-me uma prendinha, um brinde aos tempos apertados que aí vêm. de peito aberto, que tudo se há-de compôr e é melhor embarcar num mar agitado de mãos dadas.
a Audrey mirava-me de vários ângulos, mais ao meu saudoso brie panado com compota de framboesa. e eu sorria no calor abrasador daquela noite comprida de Sábado, temperada a vinho tinto e cumplicidades.
eis senão quando entra um grupo de gente nova, mais ou menos da minha geração. começam logo a pedir para se desligar luzes que acham que estão a mais e a perguntar se não dá para virar a ventoinha para eles.
mau...
entre conversas simples de momentos saborosos, era impossível não ouvir as outras, desse grupo, que se levantavam acima do volume simpático de quem está a curtir de facto uma refeição incrível num ambiente intimista.
primeiro gozaram com a empregada chinesinha ao pedir sal grosso [pois, queriam sal grosso para a comida, verdadeiros gourmets]. depois começaram a falar dos seus planos da viagem a Cuba. [ai que giro, que castiço poder ver lá os pobrezinhos ao longe da janela do empreendimento turístico, sabes que eles são tão desesperados que te apanham cocos por uma moedinha, é o máximo].
quando se cansaram de regozijar com os pés-descalços, atacaram a empregada da casa de um deles, que era uma incompetente a quem a mãezinha dizia tantas vezes "eu só não a despeço porque tenho pena de si", mas ela continuava a não fazer a dobra do lençol da cama como deve ser, e a mãezinha, como boa católica e samaritana, lá se apiedava dela e a mantinha ao serviço dela e da casa do filhinho, que não sabe engomar, coitadinho...
dividiram entradas, pratos principais e sobremesas por todos [assim fica mais em conta, há que poupar para a viagem], pagaram com os seus farfalhudos cartões de crédito e saíram enfiados nos seus ténis de marca e calças da moda.
não me pararam a digestão, mas permitiram-me ver aquilo em que eu me poderia, há muito tempo, ter tornado. quando os tempos eram outros e andava num colégio privado e não gostavam de mim porque eu não usava calças Chevignon e não sabia quanto é que o meu pai ganhava mais que o pai do outro e não apedrejava a colega mulata e não queria experimentar cigarros. respeitava quem me passava pela frente, divertia-me com todos [quando mo permitiam, claro!], mas não era igual. nunca consegui ser. até que me fartei de ter que ser igual para gostarem de mim.
agora serão assim, eles. tristes e pobres de espírito. elites enlatadas. sectaristas hipócritas, de risos jocosos a tudo o que é diferente de ter empregada paga pelos pais para lhes desfazer os vincos da roupa de marca, em empregos estáveis lá no cimo da cadeia alimentar, conseguidos porque "o padrinho conhece o tio que é dono de", mas que planeiam apenas viagens óbvias, lêem o que ouviram dizer que é bem, ouvem a música que deve ser trendy no momento, gostam dos filmes porque sim e comem em sítios finos sem respeito por quem lá trabalha, porque, afinal, são gente de berço e cartão de crédito, têm lugar cativo em locais que não sabem aproveitar.
saí para a noite ainda abafada com um sentimento estranho. por um lado o alívio de não me ter tornado numa destas pessoas, o que me permite abrir o coração a todas e cada uma que me cruza o caminho, absorvê-la e conhecer o verdadeiro âmago de quem o quiser partilhar. de me poder banhar e enriquecer em almas sem passear-me superior nas suas desgraças.
por outro, a angústia: estas amostras de gente vão ser os pais e mães da geração que, supostamente, devia dar o lugar no autocarro e ajudar a atravessar a rua a esta pobre ex-actriz a recibos verdes... eeek!
a Audrey mirava-me de vários ângulos, mais ao meu saudoso brie panado com compota de framboesa. e eu sorria no calor abrasador daquela noite comprida de Sábado, temperada a vinho tinto e cumplicidades.
eis senão quando entra um grupo de gente nova, mais ou menos da minha geração. começam logo a pedir para se desligar luzes que acham que estão a mais e a perguntar se não dá para virar a ventoinha para eles.
mau...
entre conversas simples de momentos saborosos, era impossível não ouvir as outras, desse grupo, que se levantavam acima do volume simpático de quem está a curtir de facto uma refeição incrível num ambiente intimista.
primeiro gozaram com a empregada chinesinha ao pedir sal grosso [pois, queriam sal grosso para a comida, verdadeiros gourmets]. depois começaram a falar dos seus planos da viagem a Cuba. [ai que giro, que castiço poder ver lá os pobrezinhos ao longe da janela do empreendimento turístico, sabes que eles são tão desesperados que te apanham cocos por uma moedinha, é o máximo].
quando se cansaram de regozijar com os pés-descalços, atacaram a empregada da casa de um deles, que era uma incompetente a quem a mãezinha dizia tantas vezes "eu só não a despeço porque tenho pena de si", mas ela continuava a não fazer a dobra do lençol da cama como deve ser, e a mãezinha, como boa católica e samaritana, lá se apiedava dela e a mantinha ao serviço dela e da casa do filhinho, que não sabe engomar, coitadinho...
dividiram entradas, pratos principais e sobremesas por todos [assim fica mais em conta, há que poupar para a viagem], pagaram com os seus farfalhudos cartões de crédito e saíram enfiados nos seus ténis de marca e calças da moda.
não me pararam a digestão, mas permitiram-me ver aquilo em que eu me poderia, há muito tempo, ter tornado. quando os tempos eram outros e andava num colégio privado e não gostavam de mim porque eu não usava calças Chevignon e não sabia quanto é que o meu pai ganhava mais que o pai do outro e não apedrejava a colega mulata e não queria experimentar cigarros. respeitava quem me passava pela frente, divertia-me com todos [quando mo permitiam, claro!], mas não era igual. nunca consegui ser. até que me fartei de ter que ser igual para gostarem de mim.
agora serão assim, eles. tristes e pobres de espírito. elites enlatadas. sectaristas hipócritas, de risos jocosos a tudo o que é diferente de ter empregada paga pelos pais para lhes desfazer os vincos da roupa de marca, em empregos estáveis lá no cimo da cadeia alimentar, conseguidos porque "o padrinho conhece o tio que é dono de", mas que planeiam apenas viagens óbvias, lêem o que ouviram dizer que é bem, ouvem a música que deve ser trendy no momento, gostam dos filmes porque sim e comem em sítios finos sem respeito por quem lá trabalha, porque, afinal, são gente de berço e cartão de crédito, têm lugar cativo em locais que não sabem aproveitar.
saí para a noite ainda abafada com um sentimento estranho. por um lado o alívio de não me ter tornado numa destas pessoas, o que me permite abrir o coração a todas e cada uma que me cruza o caminho, absorvê-la e conhecer o verdadeiro âmago de quem o quiser partilhar. de me poder banhar e enriquecer em almas sem passear-me superior nas suas desgraças.
por outro, a angústia: estas amostras de gente vão ser os pais e mães da geração que, supostamente, devia dar o lugar no autocarro e ajudar a atravessar a rua a esta pobre ex-actriz a recibos verdes... eeek!
Comentários
Por momentos paramos para pensar: eu sou assim? Não. Felizmente não.
Mas também tenho ténis de marca. Acabei de comprar uns all-star a recordar velhos tempos! (são considerados de marca, não são?)
Já agora, quero saber o nome do restaurante.
macaso: eu também gosto de algumas roupas de marca, bolas. e aquele restaurante não é propriamente o macdonald's! gosto de coisas boas e bonitas, que às vezes infelizmente são caras... não gostamos todos? agora a forma de usufruir é que marca uma certa diferença...
e é o Santo António de Alfama. espero que possas vir saboreá-lo em breve ;)
Quando estudava em Beja passarinhavam (e ainda hoje la estão) pela escola e pelos bares da cidade espécimens de jeans à boca de sino, argolas enormes nas orelhas, cruz de latão pendurada ao pescoço, polos da mesma marca e botas bicuda de tacão.
Também existem em versão masculina, mas sem acessorios de latão, com relogio da marca e cabelo em franja-pala! Eu e o Bruno chamavamos-lhes: As Iguais!
Nunca percebi como é que as pessoas se podem vestir todas da mesma maneira. Falta de espírito, de carisma de personalidade... falta de Ser!
E pela roupa nos apercebemos do espírito!
Cuba, Brasil, Républica Dominicana... o que interessa é estar num sitio com praia e discoteca! Enfim, com praia porque à saindo da discoteca, dorme-se até à hora do jantar para preparar o estômago para a próxima bebedeira: Questão de vomitar com classe!
Enfim, minha cara Polegar. Compreendo o que tu sentes, porque infelizmente também vivi situações parecidas, tendo que co-habitar com fedelhos que exigem o respeito que não merecem.
E não que me sinta mais que os outros (aliás, poderei apenas sentir-me menos que esses, porque ir a Cuba não está nos meus planos e não tenho empregada coitadinha para despedir), mas já sabes: Paris espera por ti, num ambiente de descoberta e partilha.
Um jantar saboroso, um vinho agradável, uma conversa simples... e todo o mundo por descobrir!
Já agora, vem-me ao espírito uma frase de alguém citada por José A. Orta: "O que é fácil é desinteressante!"
Cada um de nós tb pode ter reflexos que incomodam os outros, já que somos todos diferentes;)!Comentários que outros acham pirosos, parvónios, etc...
Mas confesso que tenho muito pouca paciência para a má educação e a maldade!
Beijinhos polegar!
Estranho: LOLOLOLOLOL com uma mansão em londres não poderia antes pagar cuidados hospitalares?! é que de angelina jolie tenho muito pouco ;)
outrosdias: sabes, eles não eram os típicos cabelos à cão de água e estrelas gigantes nas orelhas... passariam por ti como um grupo discreto, de gente "normal" com roupas (em alguns casos) bem giras. mas depois... eu também já deixei de me preocupar com enquadramentos lol
elisa: gente parva, que se há-de fazer?! tanto ensinamento católico e não me dão a face para lhes dar um bofetão! isso é que era! eheheheh
agora tu, meu amigo, não tens categoria. tu és A categoria... :P
qts aos esteotipos, integram-se neles quem quer, quer deseja integrar-se por atitudes, por regras de comportamento, e não exactamente por valores.
as pessoas que se integram nesses estereotipos quase que perdem a sua personalidade, não há necessidade, o q é correcto e fica bem é cada um com a sua personalidade, opiniões e emoções.
Uns têem coragem para serem, outros não, afortunados os corajosos!