andam por aí. festejos pingados, com fitas e papéis sujos, meio desfeitos calcados na calçada. as cores andam pela rua, pardacentas de pés com sapatilhas e poucas horas de sol. lembrei-me. sem querer, porque pensava que já tinha apagado essas linhas. lembrei-me. desse rosto encardido, de cores destroçadas, do fim do dia. que eu gostava de ver derreter às minhas mãos, ao chamamento do meu resfolegar. dos pequenos gemidos tremidos que te saíam das pálpebras e da boca fechada. gostava particularmente da hora da lágrima. o momento alto do sexo, ultrapassando mesmo o instante fremente em que finalmente a minha carne rasgava a tua e éramos um. era meu, por excelência, aquele momento em que logo a seguir ao teu orgasmo caías. o teu corpo ainda em estremecimento e já outros fantasmas te abandonavam. e continuavas a cair até desfazeres o rímel em lágrimas pretas, em borrões que pareciam aranhas gravadas em torno dos teus olhos a tinta fresca. sulcos escurecidos, ainda hoje não sei se da tristeza ou só das pinturas, deslizavam-te por essa pele tão lisa. e eu podia jurar que via. a tua respiração em arabescos de neon, os soluços como argolas de fumo da lagarta no cogumelo. as palavras segredadas pequenos comboios de lata. sem qualquer componente químico a invadir o meu cérebro, apenas a adoração que te tinha. as cores explodiam em ti, deslizavam no ar e pousavam-me na pele ainda arquejante, que as absorvia com um arrepio. e depois o negrume. do teu cabelo lustroso no meu peito. até ao dia em que ao acordar tinhas desaparecido.
hoje recordo-te. ninguém nota como isso me arranha desgostos pequenos nos parêntesis do canto dos lábios. pintarei aranhas nos olhos e rasgarei tinta preta pelo rosto. desenharei um sorriso nos lábios. e sairei para esta festa decrépita à tua procura.
Comentários
Um beijo
Daniel
(post perfeito, este)
[ a tua escrita tem estes momentos de lucidez e lágrima...
brilhante]
lembrei-me da música)
aguardam-se mais preciosidades..
Vê lá no http://kwanblog.blogspot.com/
Até breve