a A9 - CREL é, na minha vida, a diferença entre demorar hora e meia ou meia hora a chegar ao trabalho. um percurso entre duas zonas sem transportes públicos que as unam.
na passada sexta feira houve um aluimento de terras na dita Cintura Regional Externa de Lisboa, de manhã.
soube pela rádio que cortaram uma faixa, no sentido oposto ao que eu seguia.
pensei... tudo bem, aquilo com umas vassouradas vai ao sítio até ao fim do dia, logo à tarde estou safa. estúpida. estúpida.
no regresso ouço pela rádio - já tarde demais - que afinal já ia em duas faixas cortadas e 4 km de fila.
e eu na fila. durante uma hora e vinte minutos.
quando finalmente passo pelo "sucedido", vejo primeiro que tudo uma fila de uns trinta - não estou a exagerar - topos de gama lindos e brilhantes estacionados ao longo da berma. mais à frente um ajuntamento de uns trinta senhores e senhoras, de fatos de corte impecável, sapatinho bicudo, pasta no braço e mão no queixo, visual profissionalizado pelo colete amarelo e o capacete da praxe. todos observavam, sem mexer uma palha, o monte caído no meio da estrada.
monte de terra de seu nome, com M de Monte Grande, enorme e que ocupava toda uma faixa de rodagem, numa imagem curiosíssima porque ainda estava coberto de erva tenra verdejante e moitas. parecia que a montanha tinha esticado o pé gigante, para não ficar dormente, e o tinha assentado na faixa da direita.
bem, e o grupinho lá observava. nem uma pá à vista. um ancinho, ao menos um serviçal daqueles que fica parado na berma da obra de enxada em punho, qualquer coisa... nada.
receosa pelo meu regresso ao trabalho, vou ouvindo na rádio. o monte foi esticando a patinha e já vai na terceira faixa da auto-estrada.
bem, mas o que é que vão fazer quanto a isto? ainda não sabem. o tom vago mas assertivo - gostava de saber como se consegue, mas parece-me arte e dom apenas d'Os Escolhidos do Ramo da Análise, Construção e Orçamentação. usam muito os graves para a coisa parecer cabal e séria, mas algo carefree porque, por favor, não podemos falar de prazos numa situação destas...
primeiro uns dias para análise da progressão do aluimento. a prioridade é - dizem - o aqueduto das águas livres. percebe-se que não se ataque a coisa à idiota para ser pior a emenda que o soneto [ou a ementa que o cimento], mas nem uma vaga ideia do que vão fazer? não. o plano - assertivamente - é ficar a observar o movimento da terra durante tempo indeterminado. e depois - vai para os agudos, arrasta as vogais - logo se vê. portanto, já vê, - regressa ao assertivo - pelo menos umas semanas de observação.
eu penso de mim para mim... então se é assim, se eu mandasse, os senhores do grupinho ficavam de castigo: sem os popós até resolverem o assunto. só para estimular a análise.
e só por ter usado a expressão "derivado a" na rádio, fica já sem a carta, não vá tentar surripiar o carro da esposa. mas isso sou eu.
mas alto, descrentes! para desengano de quem achava que eles não estavam a fazer mais que ver terra mexer, um laivo de esperança, de proactividade:
dizem que já contactaram o proprietário do terreno! [do Monte Caído, não da CREL, bem entendido]
...
pois, é isto
...
podia parecer que é para terem autorização para acesso à zona para agilizar as obras de limpeza e reforço da estrutura. podia.
mas é o tom, senhores, o tom em que o constatam. o tom acusatório e algo consternado de quem acha que o proprietário tem um pacto com extraterrestres; o tom "nós estamos a fazer tudo o que podemos e o que podemos fazer é limitado porque no fundo já não está nas nossas mãos"; o tom que exonera os senhores de fato da decisão, da escolha daquele sítio para fazer passar a estrada após - suponho - vastas análises e estudos; o tom que afasta a possibilidade de saberem que ali passava um leito de água subterrâneo; o tom que explica que isso foi afastado como problema porque na altura dos ditos estudos o tal leito estava seco; o tom que os iliba, no meio de tanto estudo, do planeamento da inclinação da construção, ou da previsão da interferência geológica a médio-longo prazo.
bom, meus caros, se foi necessário o uso desse tom, então está tudo compreendido, venham de lá esses ossos...
a minha cabeça, em tempo de desespero e adivinhando a fila IC22 - Calçada de Carriche - Eixo Norte-Sul - 2ª Circular - IC19 - IC17 CRIL, não pára. imaginou logo o telefonema consternado, a virar o bico ao prego.
"tecnicamente o monte é seu. portanto ou varre o senhor aquilo dali, ou vamos ter de fechar a auto-estrada"...
na passada sexta feira houve um aluimento de terras na dita Cintura Regional Externa de Lisboa, de manhã.
soube pela rádio que cortaram uma faixa, no sentido oposto ao que eu seguia.
pensei... tudo bem, aquilo com umas vassouradas vai ao sítio até ao fim do dia, logo à tarde estou safa. estúpida. estúpida.
no regresso ouço pela rádio - já tarde demais - que afinal já ia em duas faixas cortadas e 4 km de fila.
e eu na fila. durante uma hora e vinte minutos.
quando finalmente passo pelo "sucedido", vejo primeiro que tudo uma fila de uns trinta - não estou a exagerar - topos de gama lindos e brilhantes estacionados ao longo da berma. mais à frente um ajuntamento de uns trinta senhores e senhoras, de fatos de corte impecável, sapatinho bicudo, pasta no braço e mão no queixo, visual profissionalizado pelo colete amarelo e o capacete da praxe. todos observavam, sem mexer uma palha, o monte caído no meio da estrada.
monte de terra de seu nome, com M de Monte Grande, enorme e que ocupava toda uma faixa de rodagem, numa imagem curiosíssima porque ainda estava coberto de erva tenra verdejante e moitas. parecia que a montanha tinha esticado o pé gigante, para não ficar dormente, e o tinha assentado na faixa da direita.
bem, e o grupinho lá observava. nem uma pá à vista. um ancinho, ao menos um serviçal daqueles que fica parado na berma da obra de enxada em punho, qualquer coisa... nada.
receosa pelo meu regresso ao trabalho, vou ouvindo na rádio. o monte foi esticando a patinha e já vai na terceira faixa da auto-estrada.
bem, mas o que é que vão fazer quanto a isto? ainda não sabem. o tom vago mas assertivo - gostava de saber como se consegue, mas parece-me arte e dom apenas d'Os Escolhidos do Ramo da Análise, Construção e Orçamentação. usam muito os graves para a coisa parecer cabal e séria, mas algo carefree porque, por favor, não podemos falar de prazos numa situação destas...
primeiro uns dias para análise da progressão do aluimento. a prioridade é - dizem - o aqueduto das águas livres. percebe-se que não se ataque a coisa à idiota para ser pior a emenda que o soneto [ou a ementa que o cimento], mas nem uma vaga ideia do que vão fazer? não. o plano - assertivamente - é ficar a observar o movimento da terra durante tempo indeterminado. e depois - vai para os agudos, arrasta as vogais - logo se vê. portanto, já vê, - regressa ao assertivo - pelo menos umas semanas de observação.
eu penso de mim para mim... então se é assim, se eu mandasse, os senhores do grupinho ficavam de castigo: sem os popós até resolverem o assunto. só para estimular a análise.
e só por ter usado a expressão "derivado a" na rádio, fica já sem a carta, não vá tentar surripiar o carro da esposa. mas isso sou eu.
mas alto, descrentes! para desengano de quem achava que eles não estavam a fazer mais que ver terra mexer, um laivo de esperança, de proactividade:
dizem que já contactaram o proprietário do terreno! [do Monte Caído, não da CREL, bem entendido]
...
pois, é isto
...
podia parecer que é para terem autorização para acesso à zona para agilizar as obras de limpeza e reforço da estrutura. podia.
mas é o tom, senhores, o tom em que o constatam. o tom acusatório e algo consternado de quem acha que o proprietário tem um pacto com extraterrestres; o tom "nós estamos a fazer tudo o que podemos e o que podemos fazer é limitado porque no fundo já não está nas nossas mãos"; o tom que exonera os senhores de fato da decisão, da escolha daquele sítio para fazer passar a estrada após - suponho - vastas análises e estudos; o tom que afasta a possibilidade de saberem que ali passava um leito de água subterrâneo; o tom que explica que isso foi afastado como problema porque na altura dos ditos estudos o tal leito estava seco; o tom que os iliba, no meio de tanto estudo, do planeamento da inclinação da construção, ou da previsão da interferência geológica a médio-longo prazo.
bom, meus caros, se foi necessário o uso desse tom, então está tudo compreendido, venham de lá esses ossos...
a minha cabeça, em tempo de desespero e adivinhando a fila IC22 - Calçada de Carriche - Eixo Norte-Sul - 2ª Circular - IC19 - IC17 CRIL, não pára. imaginou logo o telefonema consternado, a virar o bico ao prego.
"tecnicamente o monte é seu. portanto ou varre o senhor aquilo dali, ou vamos ter de fechar a auto-estrada"...
Comentários
este teu texto é brilhante! :)
há muito que sigo o teu blog, em silêncio.
Não sei quem bem quem és mas sorrio ao ler as tuas palavras. E gosto.
Ironia, sarcasmo e criatividade enroladas na realidade. Nas realidades.
Queria só dizer-te que te inclui na blogroll do meu blog, criado de fresco.
Espreita-me.
Talvez gostes.
Obrigada por tudo!
obrigada por isso :)
um beijinho