ali sentado, olhos brilhantes, molhados, miras o espaço de mãos no colo.
ainda és grande.
de vez em quando, a mão direita mexe-se, um pequeno tique de vida.
a tua voz, avô, é feita da profundidade da tua alma. grande, poderosa.
e ali, aos poucos, vais-te esquecendo que és ainda um menino de coração aos saltos - estranho, não é? pensava-te vivido, habituado - e viras menino deliciado, vibrante, empolgado. amas, ainda. ainda de paixão.
como consegues, avô?
como segues ainda ansioso como no primeiro dia. virtuoso como no primeiro dia, assim que te esqueces que as palavras às vezes nos enrolam, e as vives e vestes sem pudor. e abres os braços e evocas os fantasmas que vivem em ti - são tantos, avô, ainda os contas? - e de repente, no choro, colocas o nariz de palhaço e sorris.
como ainda sorris assim, avô? como na primeira vez que te vi, tão depois da tua primeira vez? aquela primeira vez que me fez querer ser como tu, ainda sem saber o que queria ser. vi-te tão grande, tão longe. tão doce e vivo, tão tangível. tudo de uma vez. assim.
cheio de luz, muito branca, muito plena, aura azul dos céus de verão, que nunca escurece, nunca enfraquece. apesar de tanta vida ter usado já esse corpo, de te teres entregue a tantas almas.
e assim agradeces, avô, depois de tudo passar. depois de viveres de novo fora de ti.
e mimas quem te vê, avô, com essa candura de menino, sem pressas, saboreando mais uma vez aquela trovoada mansa, emocionada. fazes-me chorar, avô.
e depois... depois de tudo... de flores na mão e livro na outra decoraste o meu nome, sem saberes que o meu coração deu um pulo quando te beijei. que a minha mão fez a festa mansa que queria tanto nesse teu cabelo branquinho e a minha pele reagiu de amor - esse amor que trazes e emanas, envolves - à tua barba de neve. áspera como as tuas mãos, de tanto pó que tens na pele. aquele pó dos espíritos, que eu também gosto de cheirar. não to contei, avô, tive vergonha. preferi ver-te apenas ali, a contar como te apetecia uma sandes, a tratar-nos por filhos, como se me sentasse na tua casa que não conheço, no calor do teu colo que apenas adivinho, a ouvir a tua voz grande e calma a contar-me as histórias que gostava de viver contigo. avô de olhos molhados, de vida de menino, de generosidade de homem que dá, apenas. e pede apenas aquele chão. homem - idoso ou velho? (sorrio) - que sabe tudo e não sabe nada. que vive tanto de tanto amor que espalha aos desconhecidos, que espalha em vendavais de voz grande, de braços abertos. avô de calças de ganga e colete, que há pouco vestia uma gola e vestes altivas, de rei, de alma, de grande senhor.
avô, queres ser meu avô?
um beijinho a ti, Ruy de Carvalho.
em cena no Teatro da Luz, "Palhaço de mim mesmo".
ainda és grande.
de vez em quando, a mão direita mexe-se, um pequeno tique de vida.
a tua voz, avô, é feita da profundidade da tua alma. grande, poderosa.
e ali, aos poucos, vais-te esquecendo que és ainda um menino de coração aos saltos - estranho, não é? pensava-te vivido, habituado - e viras menino deliciado, vibrante, empolgado. amas, ainda. ainda de paixão.
como consegues, avô?
como segues ainda ansioso como no primeiro dia. virtuoso como no primeiro dia, assim que te esqueces que as palavras às vezes nos enrolam, e as vives e vestes sem pudor. e abres os braços e evocas os fantasmas que vivem em ti - são tantos, avô, ainda os contas? - e de repente, no choro, colocas o nariz de palhaço e sorris.
como ainda sorris assim, avô? como na primeira vez que te vi, tão depois da tua primeira vez? aquela primeira vez que me fez querer ser como tu, ainda sem saber o que queria ser. vi-te tão grande, tão longe. tão doce e vivo, tão tangível. tudo de uma vez. assim.
cheio de luz, muito branca, muito plena, aura azul dos céus de verão, que nunca escurece, nunca enfraquece. apesar de tanta vida ter usado já esse corpo, de te teres entregue a tantas almas.
e assim agradeces, avô, depois de tudo passar. depois de viveres de novo fora de ti.
e mimas quem te vê, avô, com essa candura de menino, sem pressas, saboreando mais uma vez aquela trovoada mansa, emocionada. fazes-me chorar, avô.
e depois... depois de tudo... de flores na mão e livro na outra decoraste o meu nome, sem saberes que o meu coração deu um pulo quando te beijei. que a minha mão fez a festa mansa que queria tanto nesse teu cabelo branquinho e a minha pele reagiu de amor - esse amor que trazes e emanas, envolves - à tua barba de neve. áspera como as tuas mãos, de tanto pó que tens na pele. aquele pó dos espíritos, que eu também gosto de cheirar. não to contei, avô, tive vergonha. preferi ver-te apenas ali, a contar como te apetecia uma sandes, a tratar-nos por filhos, como se me sentasse na tua casa que não conheço, no calor do teu colo que apenas adivinho, a ouvir a tua voz grande e calma a contar-me as histórias que gostava de viver contigo. avô de olhos molhados, de vida de menino, de generosidade de homem que dá, apenas. e pede apenas aquele chão. homem - idoso ou velho? (sorrio) - que sabe tudo e não sabe nada. que vive tanto de tanto amor que espalha aos desconhecidos, que espalha em vendavais de voz grande, de braços abertos. avô de calças de ganga e colete, que há pouco vestia uma gola e vestes altivas, de rei, de alma, de grande senhor.
avô, queres ser meu avô?
um beijinho a ti, Ruy de Carvalho.
em cena no Teatro da Luz, "Palhaço de mim mesmo".
Comentários
Beijos, B.
Desculpa, mas achei que algo tão bonito e sincero não podia ficar "apenas" a navegar na blogosfera sem nunca chegar ao "destino" e portanto fiz de "Cupido"!
A opinião foi unanime, além de muito bonita és uma Poeta!
Beijo ENORME, B.
...largo e feliz...
knuque: sejam outros, os tempos, mas nunca nos esqueçamos nós, os novos, que ainda há gente no palco que já lá estava, lá viveu. cuja vida e amor é o palco. exemplos. de preserverança, de dedicação. e trazem esperança: fazem acreditar que é possível viver lá a vida inteira. apesar das modelos, das cunhas, da ganância, dos wannabes.
Ruy de Carvalho foi simplesmente a minha primeira referência, em muito menina. antes de saber o que o teatro ia ser na minha vida. e isso é muito forte.
além disso, a humildade e a generosidade são intemporais. no Teatro ou no talho. e nesta profissão cada vez mais raras, apesar de essenciais.
acima de tudo, antes do actor, (com todo o direito a gostar ou não do seu trabalho) encontras ali um Homem grande, uma alma cheia. uma ternura. isso é impagável, inclassificável, incontornável.
beijo
miak: imagina o meu... :)
Tens de cá voltar e receber esse beijo pessoalmente.
Beijo Graaaaaande! B.
Homem grande por dentro, será um orgulho ser seu neto, mesmo no palco...
Um beijo
Daniel
Um texto muito bonito
Beijinhos