Avançar para o conteúdo principal

closing time...

entre mil e uma fantasias, vive-se intensamente até ao dia de fecho.
passa-se a porta, cumprimenta-se os amigos, colegas.
percorre-se o hall onde estão afixadas as fotos, percorre-se o corredor e lá está, eterno. quatro arcos de pedra gigantes, a plateia de veludo vermelho, o palco negro de cenários montados. mas desta vez dói um bocadinho. dói sempre que termina uma peça. o último dia é um misto de adrenalina, alívio e saudade. penteiam-me com um carinho diferente, ao fazerem-me os canudos. juntam-se todos no espaço ínfimo do corredor, a aproveitar os momentos de folia que naturalmente vão acontecendo. a contagem decrescente, enquanto caracterizo os colegas, me maquilho e visto, parece mais curta, mas saboreada a passo de tartaruga.
depois a corrente, em que distribuímos a nossa energia pelos outros e recebemos a deles. uns mais concentrados que outros, não interessa.
ouve-se o anúncio para desligar os telemóveis, corremos às posições. depois, decorre a peça. à espera para entrar, alguém me vem abraçar. "obrigado por tudo". vêm-me as lágrimas aos olhos. "só te dei uns berros por causa da dicção, Matt". ele, o eterno folião, continua sério, de voz baixinha "obrigado, a sério, pequenina. foi muito bom." ora bolas. controla a respiração rapariga, vais fazer de morta...
pregam-se partidas a uns colegas, respeitando sempre o público e, portanto, sem prejudicar as cenas. a mim deixaram-me um pano preso no chapéu de tal forma que quando o pus à pressa, não via nada... ri-me.
o tempo passa a correr. há sempre o momento do cigarrinho quando "el rey" está a fazer o seu monólogo lá à frente. os olhares estão mais ternos. lá vou eu, para a minha cena. hoje não foi difícil chorar. até tropecei no texto com a emoção mal controlada, misturada. dizem que estava muito realista... de repente os aplausos e os sorrisos para o público. obrigada.
chegar lá atrás e desabar. custa sempre, sempre custará, mas por isso é que não largamos mão. num abraço bem forte, despejamos lágrimas e agradecimentos. há sempre o idiota que não alcança o quanto aquilo dói a uns. o quanto foi um parto complicado, a luta desgarrada, apesar de... tudo.
depois ir dar um beijinho à amiga que lá apareceu, de máquina ao ombro.
ficamos nós, de novo, idos os amigos e desconhecidos. é altura de empacotar tudo, a ida para Coimbra é já daqui a pouco. mas ali... ali já acabou.
e olham-se as mensagens no espelho, uma última vez, os cabides vão-se esvaziando. agora o camarim áté faz eco. e a maquilhagem espalhada, os ganchos, os pincéis, caixinhas e frascos. tudo volta à mala, limpo, organizado. mas com as cicatrizes de mais uma vida pintada com pós mágicos.
alguém diz "já tenho saudades tuas"... oh, lindinha, estou aqui...
vou ao escritório mas ainda não tenho coragem de arrumar as agendas, a velinha e demais pertences. volto durante a semana. vou ter com o resto do grupo ao palco, agora vazio. estão lá todos, todos aqueles que normalmente têm pressa de sair porque trabalham no dia seguinte. hoje ficamos na conversa, a rir e prolongar as horas, para a saudade não doer tanto, pelo menos por agora...

Comentários

Rantanplan disse…
Esses males também fazem parte da vida dos "Funâmbulos".
Coisas que só vocês vivem e que nós nunca reparamos. Aqui deste lado de cá estamos imunes. Aí desse lado, vive-se. O palco é assim mesmo. Para mim, é bom ir ao teatro quando consigo roubar um bocadinho dessa vossa vida para mim.
Anónimo disse…
é mesmo bom... preenche. há pouco tempo fui ao teatro... sentar-me na plateia [sensação estranha depois de tanto tempo]. e que bom que foi.
Polegar
Anónimo disse…
Emprestar o corpo e viver com as emoções de outros, apesar de sofrido é seguro.
polegar disse…
Linha recta: desengana-te. apesar de sabermos que no fim do texto se acendem as luzes e se passa um algodão na cara, enquanto lá estamos, as dores são nossas e bem reais. há um espaço de tempo de que necessitamos para recuperar, um estranha ressaca sensorial e emocional que aos olhos de quem vê de fora parecerá estranho, uma vez que estivemos a "fazer de conta"...
Anónimo disse…
Por isso te digo que é seguro. Sofres, ris, choras, mas no final voltarás a ti.

Mensagens populares deste blogue

q.b. de q.i.

como é sabido, neste centro de escritórios funciona também uma das maiores agências de castings do país. há enchentes, vagas de gente daquela que nos consegue fazer sentir mais baixos e mais gordos do que o nosso próprio e sádico espelho. outras enchentes há de criancinhas imberbes que nos atropelam no corredor de folha com número na mão. as mães a gritarem hall fora "não te mexas que enrugas a roupinha" ou "deixa-me dar-te um jeitinho no cabelo ptui ptui já está"... e saem e entram e sentam-se e entreolham-se naquele ar altivo as meninas muito compridas e muito fininhas, do alto ainda mais alto dos seus tacões e com a mini-saia pendurada no osso da anca, que o meu patrão já diz "deixem passar dois anos que elas começam a vir nuas aos castings... pouco falta... têm é de vir de saltos altos... isso é que já não descolam dos pés!" bom, nesses dias aceder à casa de banho é um inferno. é que elas enfiam-se lá dentro nos seus exercícios de concentração preferid

the producers

there comes a time in your life when you have to stand up straight and scream out loud so that everybody can hear: "Who the hell do I have to fuck to have a chance around here?!" The Producers | Mel Brooks | Drury Lane Theatre | Covent Garden quando ouvi isto, soltei a gargalhada amarga que me acompanha nas ironias da vida. agora já nem consigo rir. estou cansada. não dou o cuzinho e três tostões, mas dou o couro e três tostões. não conta, porra?

reviravoltas

[ms] mais uma para o currículo. descansa. estou cá, para te dar a mão. e um dia ainda nos vamos rir... os dois... entretanto, rimo-nos também, que não há mal que não desista à vista dos dentes desgarrados e das barrigadas de nós os dois. porque eu sei o que vales, quanto vales e como vales. e para cada ingrato, grato e meio. os destinos entrançam-se devagarinho. nada acontece por acaso. há quem consiga aguentar o nó na garganta de mão dada. sabes que quando se fecha uma porta... nem que tenha de rebentar uma janela à pancada... o céu troveja porque não sou só eu que estou revoltada... peito cheio, vem aí o vento... vamos apanhá-lo de velas içadas. vamos apanhar a chuvada de boca aberta ao céu... vou sair agora. vens?