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Mensagens

A mostrar mensagens de 2011

serenidade

é tão estranha, esta sensação de uma corrente eléctrica e permanente funcionamento debaixo da pele, este formigueiro e ao mesmo tempo um medo que paralisa, que encolhe. o coração desnorteado e a vida em câmara lenta, demasiado rápida para absorver. os dias assim passam sem que lhes toque, agarrada a mim com medo de me perder. agora sei de onde vem isto, sei ao que vem. é um aviso, para ter medo porque posso esquecer-me. ainda não aprendi o faço para que se vá embora, para que sossegue porque não me esqueci. ainda não me sei confortar. respiro pela serenidade que - sei - virá. entretanto tenho de aguentar, deixar fluir. porque sei que não vai acontecer nada de mau. é só a menina pequenina a lembrar-me de tomar conta de mim.

o novo caminho

há o meu jardim da árvore gigante, debaixo da qual leio a peça. há uma boutique pequenina com os meus sapatos. há uma loja com lápis de cera daqueles que comíamos em miúdos. há um prédio que é só uma fachada. há um cão preto e branco que dorme toda a tarde dentro do talho. há um homem vestido de fraque, com laço preto, no meio da rua a meio da tarde no meio de turistas de calções e bonés e túnicas floridas. há um  tipo que grita com o mundo enquanto mija na calçada. há um cheiro a fruta quente, apesar disso. há uma velha de peruca da cor da bengala de madeira avermelhada. há um sol de frente que se apaga quando viro a esquina. há a Mitó nos ouvidos a emprestar-me sentidos. há uma corrente de ar sempre presente. agora é quente.

porquê? por causa das venetas

eu estou a recibos verdes. dos verdadeiros, em 70% das situações. o que é que estar a recibos verdes implica? implica tão somente estar à mercê de venetas. a veneta consiste de várias sub-venetas, uma delas é o "nós pagamos este serviço com este valor e pronto, se não quer, há-de haver quem queira". pode ser um "afinal não me apetece trabalhar mais com esta pessoa". e eu não sei de nada, nem sou informada, quanto mais consultada na decisão para tentar negociar, simplesmente de repente não tenho dinheiro para comer. pode ser também o "nós pagamos a 90 dias a partir de uma data que não lhe vamos transmitir. logo mandamos um e-mail e depois logo vê quanto tem a receber". e ai de quem telefone a perguntar para quando está previsto... pode ser que deixe de trabalhar ali... até pode implicar "entrega o seu recibo verde semanas antes de nós procedermos à transferência sob pena de, se não o fizer, não recebe e deixa de trabalhar connosco". depo

parte um

isto de ter brio no que se faz é simples. isto de se tentar fazer o melhor que se sabe e pode, mesmo quando o corpo não colabora, quando a voz se gastou, quando tudo dói e nem conseguimos destrinçar as sílabas, é uma segunda natureza. isto de se tentar resolver na hora para evitar problemas, mesmo quando não é do nosso departamento, de se esticar horários para lá do suportável, de se ir a correr entre capelinhas, de se galgar os quatro cantos da cidade - e mais além - só para conseguir corresponder ao que se pede, de se engolir sapos para não criar fricções. é tudo normal. está aqui para se fazer? faz-se. há um problema? dá-se a volta. é assim que tem de ser. é tudo o que se tem, quando se depende dos olhos dos outros para conseguir mais trabalho. é tudo o que se tem, quando antes de deitar levantamos a cabeça perante o espelho. e quando tudo o que temos é a noção de que não tememos porque não devemos, é inadmissível descobrir que afinal alguém minou por qualquer mesquinhez to

Um, Ninguém e Cem Mil ou carta a Virgílio Castelo

caro Virgílio: venho apenas, deste cantinho obscuro cá muito em baixo, ter o desplante de lhe dar um conselho: pegue no maravilhoso monólogo de Pirandello, na sua total entrega apaixonada a um personagem que tornou coeso, divertido, triste e fascinante do princípio ao fim, e fuja. fuja da encenação tristemente pretensiosa [a "arte" forçada, o medo do simples], do ciclorama de projecções mal amanhadas e que são apenas barulho de fundo, da música incongruente que abafa a sua voz e inutiliza qualquer presença de um violoncelo em palco - pancadinhas esporádicas não contam -, do desenho de luz notoriamente improvisado e que o põe a correr desnecessariamente entre pontos tão díspares, que lhe apaga qualquer expressão com sombras e lhe corta a dinâmica com luzes que não acendem a tempo. fuja de roupas e adereços que pouca ou nenhuma falta fazem na história que nos conta. e fuja da incompetência de um teatro impessoal abandonado há demasiado tempo pelas pessoas que faziam dele u