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Mensagens

A mostrar mensagens de 2006

terra queimada

sempre me fascinou o teu cheiro a lenha queimada. olhando-te à primeira impressão dir-se-ia que a tua pele branca de princesa cheiraria a algo como maçãs acabadas de cortar ou loção de bebé. mas tu nunca gostaste de regras nem de preconceitos. sempre fizeste questão de os quebrar. até a tua pele tem essa atitude. cheiras a queimado, a escuro, quando muito a brasas e cinza. e o teu cheiro entregou-te. não me apercebi ao início, quando apenas me sentia confortado. quando o teu lado negro me seduzia em noites agrestes e violentas. quando o jocoso e o irónico, o amargo e o irreverente me envolviam em abraços tão apertados que sentia os espinhos cravados e saboreava o sangue das nossas gargalhadas. mas agora tenho medo. das tuas chicotadas e da minha reacção. já não me satisfazem as nossas noites em que és rainha e esperas que te sirva. e os nossos dias em que violentas os meus pensamentos como se eu não fizesse nada como deve ser. na cama como na vida. sufoca-me a tua política de terra que

por detras dos montes

criação: Teatro Meridional concepção | direcção cénica: Miguel Seabra interpretação: Carla Galvão, Carla Maciel, Fernando Mota, Mónica Garnel, Pedro Gil, Pedro Martinez, Romeu Costa no Teatro Meridional até 23 de Dezembro 4ª a Sexta às 22:00, Sábado às 17:00 e 22:00 Rua do Açúcar | Poço do Bispo reservas: 218 689 245 o ar é frio e corta. na zona de armazéns estranhos para os lados do Beato, o grupo do Teatro Meridional já tem a sua casinha pronta. um edifício industrial todo recuperado, em tijolo vermelho. lá dentro, um tecto alto de traves pintadas, decoração simples onde apetece estar. bonito, acolhedor, com bom gosto. velas e aquecedores a gás [bom investimento], café de saco à discrição em self-service. o sorriso do rapaz da bilheteira também aquece. o programa é de borla e oferecem um livrinho com turismo de habitação da região de Trás-os-Montes. dá para ir lendo e fumar um cigarro, encontrar casinhas bonitas com preços apetecíveis. já começou a viagem e nem nos demos conta. depo

os desejos do costume por estas alturas

[ms] coisas doces, abraços quentes, as pessoas que realmente interessam, luzes indirectas e um pinheirinho enfeitado com gosto... é preciso pouco para um natal simpático. que o vosso seja bem aconchegado. até já.

diarios da perna de pau #3

o figurinista vai ao sapateiro. a produtora pede - como sempre - para ele trazer factura. ele telefona. - o sapateiro não sabe escrever e o surdo-mudo que é vizinho dele e que lhe preenche as facturas não está em casa.

diarios da perna de pau #2

no calça descalça, numa peça de marinheiros, à última da hora decide-se que vão calçados. a Polegar trata de conseguir sapatos à borla. o chamado apoio, portanto. depois é a escolha dos ditos, não é? conversa telefónica do Patrão-Encenador com o Figurinista, que estava na loja: - tu agora vê lá que botas é que escolhes! não te ponhas com modas finas! eles têm de conseguir andar! isto não é teatro quieto, assim paradinho! isto não é teatro dos aloés! isto é teatro físico! teatro do corre lá para trás! é teatro de cenas de pancadaria! é teatro do amarinha pela rampa! pela tua saúde: é teatro do sobe ao mastro de 8 metros! ah... já agora, e meses de orçamentações, negociações, estica-daqui-corta-dali-para-poder-pagar, contactos e trabalho manual do prop master depois, o grande Actor decide que já não quer a perna de pau. diz que é - e passo a citar - um "instrumento de tortura"... quem?, atrevo-me eu a perguntar...

diarios da perna de pau

estamos em fase de ensaios, num armazém, com cenário já montado [sim, tiveram de se chegar à frente com as madeiras]. entretanto, figurinos e adereços estão a ser concebidos e provados. o artigo do momento é a perna de pau. para um actor genial - diz o encenador - e hipocondríaco - digo eu. cá vem, todas as semanas, o mestre de adereços [prop master, como eu lhe chamo], de boina francesa e saco dos chineses recheado de coisas estranhas. o actor experimenta a dita perninha, e queixa-se. - está muito alta, não consigo apoiar o pé no chão. o prop master abre o saco dos chineses e tira de lá um serrote. serra a coisa. - não, afinal é do ângulo, percebes? o prop master tira da chave inglesa e chave de fendas. desaparafusa-aparafusa. - agora está-me a magoar o joelho o prop master abre o saco dos chineses e tira um rolo de espuma. - e eu vou usar uma bengala, não é? é que assim não temos bem a noção de como vai ser o andar... inventa-se uma canadiana. enquanto isso, fala-se de como

fazer farinha - redux

comigo não fazem farinha. mas oportunamente, mais uma vez, não é comigo que a querem fazer. citando - com o devido consentimento - alguém próximo: temos pena... - uuuh... amazing! did you come up with that all by yourself?

é depois

[ms . um ano depois ] contava os dias e nem dei que os dedos deram várias voltas ao teu corpo. estava entretida com os entretantos. com os rasgões que o cinzento, o frio e os desesperos abriam em mim. que tu selavas e cicatrizavas com sopros ferventes. enquanto ias e vinhas na minha pele, preparavas uma gota de suor à parte. então é que percebi, era a teia, uma teia de fios leves, espessos e húmidos, curandeiros como os lábios que se tocam com mais do que desejo e carne. e enquanto dormia, tu tecias. de repente - tão de repente que foi de rompante - arrancaste-me das cinzas que me rasgavam, do cinzeiro de vidro onde jazem as beatas já gastas. arrancaste-me e empurraste-me com força, sem me largar a mão. deixaste-nos cair. num puff vermelho com olhos azuis. e conforme caímos, o puff apanhou-nos, secou-nos à lareira, fez-nos dar três voltas no ar e desaparecemos. e estávamos ali como quem vai para o rio, duas ruas à esquerda, depois da viela adormecida nas luzes de uma porta, contam-se t

chico et les croissants

[ph.t.s :: ms | design & supporting arm :: polegar] mais uma vez, escondeu-se nas mochilas de dois jovens errantes. e, nos momentos mais inusitados, saltou cá para fora. sim, o nosso repórter especial está sempre em cima do acontecimento. e veio provar que a três também pode ser romântico...

homenagem

uma pausa. na azáfama feliz - e em azert - de uma semana de descanso. de surpresas, de vendas nos olhos. para agradecer a mobilização de uma mão cheia de dedos que surgiram de todos os lados num conluio secreto que se revelou num abraço denso e quente. internacional. movidos pela batuta do maestro do meu coração. sorriso. ainda não fiz anos, mas posso dizer que esta prenda ficará e-ternamente tatuada na minha pele.

bagagem

enrolo as meias e a roupa interior. viro as peças delicadas do avesso. faço uma marca em cada item que já está. não esquecer o pente e o amaciador. puxo com força os esticadores e transformo a mochila no mais redonda possível. depois, estendo um braço e o outro. os dedos tocam o esboço de ar que já não me pertence. espreguiço-me feita gata preguiçosa. em pontas de pé, soam os acordes da caixa de música. chão negro. madeira macia aquece os pés. deslizo numa dança minha, de melodias incertas. as ancas vagueiam, o peito arqueja. o cabelo perde-se no caminho. então, lentamente, a música estende-se, envolve-me. e no seu colo ondulo. ondas cada vez mais encaracoladas. espirais apertadas. toda a minha pele perde as noções da sua geografia, entrega-se nesse abraço aconchegado onde o cheiro é das pintas de canela e me respira ao ouvido. baila, bailarina, baila. pequenina pequenina. já cabes na bagagem. vamos? vamos.

monte redondo, 14 de novembro de 2006

[ms] Palavras soltas: "espectacular", "fantásticos", "puro deleite", "adorei", "quem me dera vê-los outra vez", estas foram algumas das expressões proferidas pelo grupo de alunos [...] que assistiram, no dia 7 de Novembro, à vossa representação [...]. O entusiasmo, desde a recepção invulgar à correria informal ou "infernal", foi a nota constante nos rostos dos nossos adolescentes ávidos por um texto que nunca pensaram diverti-los tanto. As nossas aulas ganharam um novo "sabor", pois a motivação e a compreensão é já outra, por isso o nosso muito obrigada, já que não nos foi possível fazê-lo no final do espectáculo. Não obstante, a nós, professores, veio-nos à memória o outro extenso grupo de alunos que, por razões diversas, não puderam fruir desse momento único, daí que tivemos a veleidade, quiçá o atrevimento, de almejar a vossa presença na nossa instituição. Sabemos que o pedido é ambicioso, mas a nossa vontade é ma

a porta do lado

entrava de manhã e ao meu "bom dia" já tinha a madalena e a italiana à minha frente na mesa. o rapaz do antiquário já lá estava, na mesa ao pé da porta, virado para a rua, com silêncio e um cigarro. eu chegava normalmente à hora em que acabavam de preparar os almoços e as sobremesas e se sentavam na mesa do fundo com as suas canecas e o jornal ou o catálogo da perfumaria. tomavam, por assim dizer, o pequeno-almoço comigo. muita conversa trocada. viravam as cadeiras na direcção da minha mesa e perguntavam opiniões. sobre tudo e sobre nada. por vezes estavam mais silenciosos e eu então prendia os cantos do meu livro no pires do bolo e saboreava os primeiros momentos do cigarro e das letras, antes de respirar fundo e seguir para a tortura. ao almoço sempre foi a confusão total. os turistas e os habituées, o cheiro forte da comida. eu ia sempre para a sala do fundo, era mais calmo. sozinha ou acompanhada, era em modo automático que me aparecia o tentador cheesecake à frente, o ca

curtas dum regresso ao passado

numa passagem pelo bairro da minha infância a comprar o melhor frango assado do mundo, uma paragem para aquecer os beiços [congelados pelo vento frio] com um café e a melhor delícia folhada do mundo. sentada nas cores, sons e pessoas do meu tempo das papoilas, ouço o talhante [ainda por ali anda, ainda lá vai beber o café quando fecha o estaminé] dizer: "custa três mil reis" com a dicção perfeita de época: mérreis . à saída do café, uma menina brinca rodando agarrada a um sinal de trânsito. espalha-se no chão de palmas das mãos directas na calçada. senti perfeitamente o ardor da gravilha a cortar-me a pele, como me acontecia com frequência, na estrada da praceta, no tempo das papoilas. gemi e tudo. já a caminho de casa, nariz no ar. o nevoeiro acumulava-se em gotas nas pestanas. com o reflexo dos candeeiros parecia que tinha chorado daqueles choros de antigamente. em que a alma se despejava toda no sal sincero de um qualquer amuo sentido. o nevoeiro cheirava nitidamente a um

horario de inverno

porque é que como ser humano, animal de hábitos, não consigo habituar-me a estas noites que começam antes de o meu dia terminar? porque é que acordo demasiado cedo, com aquela espertina de já haver muita luz? porque é que, mal se vai a luz, eu me quero ir daqui para fora? olhar para o relógio e... não, ainda falta muito tempo. tempo que se arrasta e o céu cada vez mais escuro. o consolo está apenas no cheiro cortante do frio ao sol, quando saio de casa. e das castanhas, quando saio do emprego. salvam-se[-me] as noites de chá, Chet Baker e manta polar... o meu gato enroscado em mim... diziam-me, se calhar para me consolar, que este horário era para os meninos que moravam longe da escola acordarem cedo e não ser de noite. ora eu nunca percebi isto, nem os meninos. eu também me levantava cedo para ir para a escola e preferia ir de noite e voltar para uma tarde inteira de brincadeiras na praceta. e não ter de fazer os TPCs à luz do maldito candeeiro.

pais revoltados

não, não me refiro aos problemas do encerramento de escolas por esse país, nem às culpas que sempre se depositam nos professores por os meninos não aprenderem nada a não ser asneiras. nem sequer da revolução cultural com que tenho sonhos semi-eróticos em que os pais proibiriam os filhos de ver as Floribellas e os Morangos e eles iam á falência e as produtoras eram obrigadas a fazer coisas de jeito... falo da reacção do meu público-alvo-patronato à gravação do cd do Ruca. chego ao escritório às 9 da noite de 5ªfeira, venho buscar trabalho para fazer durante a madrugada, tendo em conta que terei de faltar a tarde de 6ª e tenho um projecto para paginar [poupem-me os comentários tipo "és mesmo parva, porque é que levaste trabalho para casa? o patrão P. nem vai ler isso, é sexta-feira!"]. ao chegar, encontro o patrão Porthos, o patrão P. e a madame M. [mãe-galinha-agente-produtora de uma das nossas jovens vedetas e nova colaboradora em certos projectos], todos ainda de volta dos c

I'm a rock star... kind of

e se eu começasse a conversa com: "vou gravar um cd!" perguntariam: "um cd? de música?!" eu responderia: "sim, sim..." faria um sorriso malicioso. continuaria: "ligaram-me em desespero de causa. precisavam de uma voz feminina com características muito precisas. vou para estúdio já amanhã." provavelmente receberia uma cara entupida de surpresa, sem saber bem o que dizer. sairia algo como "ena pá! que fixe... parabéns, pá!" depois, um algo mais recomposto "então e é para sair quando?" ao que eu, sempre confiante e sorridente, responderia: "no Natal..." perguntar-me-iam, obviamente "já? caramba! e a banda é conhecida?" eu soltaria uma gargalhada: "é tua conhecida... a banda sou eu... sou a vocalista. com um coro a fazer backgroud vocals e uma participação especial." "bolas, que fantástico... e é novo, o projecto?" eu diria: "não é novo, teve início em Inglaterra já há uns tempos. mas a

simple pleasures

[ms] romper com cuidado a embalagem. enfiar os dedos e sentir a macieza do bloco de folhas de tabaco ainda prensado. apanhar um pedaço e devagar ir desfiando as folhas em pequenos fios aromáticos.

ela aos sabados de manha

[ms] nalguma poça mergulhava o pente. desdentado. alisava o cabelo à força de cuspo, empurrava-o, prensava-o de mãos decididas para o que no espelho de águas turvas e folhas secas acreditava ser o seu lugar. depois ajeitava o xaile e seguia para a igreja. na barriga sempre uma irrequietação. esperava. observava as emoções sempre iguais. os ciumentos, os jocosos, os beatos, os orgulhosos, os divertidos, os ansiosos, os enfastiados. mas ela mantinha-se à sua distância de cheiros azedos e sussurros ininteligíveis. falava consigo, à flor da pele. esperava pelo branco que lhe turvasse os olhos e os farrapos em cintilantes gotas de fantasia. os fantasmas chegavam, um a um. desfilavam pelo corredor de tapete vermelho. ouvia a música. a banda sonora de outras vidas diluía-se no ritmo badalado no seu peito, das suas cantigas. levantava o pescoço e fechava com força os dedos nos galhos secos. no cetim feito teia de aranha de um laço de fios chorões. os seus passos haviam deixado de fazer diferen

dos regressos

daqueles que os mapas não marcam, nem as linhas da mão têm a certeza de apontar. não há estrela polar neste céu agreste de luzes falsas que orientam aleatoriamente as suas caudas de cometas. divago. a minha ausência reverte a favor de um regresso. temido. muito mais temido do que poderia esperar. de momento ainda se tacteiam estratégias para contar uma história tão antiga e [re]contada com escadotes. sim, escadotes. eu tenho medo das alturas, tenho medo quando não estou em contacto com o chão. tenho vertigens. tenho pouca força de braços. tudo num mundo de testosterona onde sou o único elemento feminino. um metro e meio e uns trocos desajeitado no meio de gaijos... ah, mas para carregar sacos de roupa e caixotes ainda sou da produção. e na produção, curiosamente só trabalham mulheres [no sentido de bulir a sério, não é recostar o rabo à cadeira o dia todo]. tenho, sempre, de regressar à base e tratar das papeladas, das reservas, dos telefonemas e não me esquecer que esta quase-estreia

na carimbolandia

loja do cidadão, para tratar de todos os documentos que perdi aquando do roubo da minha querida carteira. em chica-esperta, lá fui passar a tarde de sexta, porque "pode ser que o pessoal vá todo de fim de semana e esteja mais vazio". até às 4 e meia da tarde era verdade... tirar fotografias - pimba, paga. fiquei amarela. ó senhora fotógrafa que mete as chapinhas na máquina e faz trocos que é um mimo, afine o cyan... BI, comprar impressos - pimba, paga. é preciso certidão de nascimento. não faça aqui, que demora 2 dias. vá à Fontes Pereira de Melo que lha fazem na hora. então para que é que vocês existem aqui, mesmo? certidão de nascimento - afinal onde é que eu fui registada? errrr... mãee... esperar que os senhores saiam do chá das 3 e meia que acaba às cinco para as 4, já que o santo serviço fecha às 4. pimba, paga. e que tal digitalizar isso tudo para bases de dados com acesso para toda a rede de registos, hã? não há excedentes na função pública? há, estão na hora do chá.

chove e faz sol

[ms] as luzes às vezes não são quentes, só deixam um hálito agridoce na pele. percebes? não interessa. às vezes o espaço entre dois corpos completa os fragmentos que faltam. dizia que as luzes arrepiam. como que nos estremecem. reconheci em mim um medo novo. e este é mesmo, assim, assustador. não sabia que o acordar da dormência seria tão doloroso, confesso. julguei que em mim encontraria nova alegria, novo impulso, desta feita aliviado, concretizado. livre, entendes? não, de facto não. acordo enrolada sobre mim mesma e cheia de dores que ainda não senti, depois das que senti e que me enrolaram. são dores por vir, que nem sei se virão. faz sentido? desenrolo-me a medo e cada pedaço de mim que sai para fora é como um fio de um novelo que se puxa e vai-me desfazendo. mas encontra nós, pelo caminho. o pisar não é novo. vejo as folhas que o outono vai soprando das árvores e é mesmo isso. um caminho que já percorreram, que sabem. voltam ao chão, sugadas serão pela terra e voltarão a verde e

para avaliar o seu grau de loucura

sábado, dia de passeios, de descontracção. porque os ensaios inibem de dormir até tarde, aproveite-se o dia. almoço reconfortante no restaurante das avós , matar saudades das palavras com diminutivos, da força calórica de comida cozinhada na hora e das batatas fritas às rodelas. depois, descer a rua e segurar o queixo perante a exposição do world press photo. lutas intermináveis com um par de velhas que não compreendiam o conceito do pequeno corredor que separa as pessoas da fotografia. elas metiam-se à frente e punham-se a explicar as legendas uma à outra, indiferentes a quem queria ver os bonecos. considerações tecidas sobre o "molhar o pãozinho no sangue", sobre a parca qualidade dos nossos premiados, sobre as opções do júri, sobre a imponente reportagem sobre uma mulher vítima de cancro, sobre as delícias das fotos das bailarinas de leste, sobre o photoshop descaradamente mal amanhado em algumas imagens. de regresso a casa, bandulho intelectual bem refastelado, estacionar

do estudo de texto

[re]começaram os ensaios. este ano com escadotes ao barulho - quem sabe para breve acrobatas e lançamento de anões. Gil Vicente, já se sabe, tem de ser trabalhado para se perceber o que é que as frases querem dizer... português arcaico tem muito que se lhe diga. bem como as personagens, a estudar e contextualizar historicamente para depois encontrar paralelos actuais. fica uma pequena recolha de pérolas, da autoria do encenador... das personagens o Onzeneiro é dealer... mas só nós é que sabemos porque não passa para o público... o Parvo é um wannabe. é daqueles putos brancos que querem ser pretos e começam a falar com sotaque, a usar aquelas calças e cantam rap. as pessoas pensam que a Brízida [leia-se Brízeda] é uma puta, mas não. ela cria as meninas para os padres, é rica e vai às festas, tem muitas funções e não se percebe bem no meio qual é o trabalho dela. e só quando se esquece é que lhe vai pró chinelo [leia-se chenélo]. é como a Maya. a Brízida é a Maya. o Sapateiro é... olha,

the pillowman

teatro Maria Matos até 15.Out.06 4ª a Sáb. 21H30 | dom. 17H encenação de Tiago Guedes com Gonçalo Waddington, Albano Jerónimo, João Pedro Vaz e Marco D'Almeida bilhetes: 15 €, regra geral. todas as informações no site do teatro prometido é devido e à primeira oportunidade, uma visita ao Maria Matos renovado, cuja programação e grafismos de divulgação me têm deixado de água na boca. The Pillow Man não é uma história fácil. desengane-se quem acha que se vai rir a bandeiras despregadas [houve umas quantas meninas nervosas que se escangalhavam a cada deixa até levarem o soco no estômago. é incrivelmente triste o poder de um "foda-se" num espectáculo]. desengane-se também quem pense que vai lá ficar de mão no queixo, com um circunspecto "hummm" intelectual. é uma história simples. ou melhor, é uma história contada de forma simples, sem ser simplista. em que as emoções provocadas vão do riso sádico, à simpatia, ao ódio, ao confrangimento, ao enternecimento, à tristez

|| pause still

[ms] às vezes o tempo anda feito gato avariado. corre de um lado para o outro de encontro às paredes, não conseguimos perceber o que anda a fazer, o que persegue ou sequer o que vê. nesses dias apetece obrigar a sentá-lo à minha frente, e dizer-lhe para ter calma e olhar-me nos olhos. vamos lá conversar... [... nem que seja para...] - então e o Benfica...?

as vampiras lesbicas de sodoma

pela Companhia Teatral do Chiado Teatro-Estúdio Mário Viegas supostamente a semana passada foi a última semana, mas nunca fiando, que eles são danados para a aldrabice e já "estenderam" até dia 7 de Outubro. entre 13,50€ e 18,50€ [excepto condições especiais] reservas e actualização de datas no site da companhia fotos no blog do espectáculo com Rita Lello, Simão Rubim, Tobias Monteiro, João Carracedo, Manuel Mendes e João Craveiro não é um espectáculo certinho . quem viu As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos sabe perfeitamente que a ideologia não é essa. é uma paródia "off-Parque Mayer". é uma história de duas vampiras actrizes ao longo dos tempos [o fio cronológico lembrou-me vagamente o "Entrevista com o Vampiro" - com as devidas distâncias]. que passam grande parte da sua eternidade em Lisboa. que por acaso são lésbicas. e também só por acaso várias personagens femininas são interpretadas por homens ao estilo "tão-traveca-quanto-

sem senso

foto de ms deixou o poema numa amálgama de vidros partidos. soltou-os no cinzeiro com as mãos em concha. preencheu os fios de neblina com aromas doces, gelatinosos. teceu-lhes a música do silêncio chuvoso. espalmou os dedos como carimbos queimados de encontro ao tecto. saiu, fechou a porta e os olhos aos peixes voadores e ao homem do cachimbo. o cheiro. batia-lhe nos sentidos como uma franja violentada pela brisa. escalou a calçada rezando para não cair num buraco. já se sabe que os buracos são fundos e não é fácil sair deles. entre o zigue e o zague era outono. as paredes acastanhavam e aguardou o toque rosa do fim do dia. a árvore velha escureceu-lhe as válvulas da alma, deixando coágulos de luz pendurados no chão. pensou em fazer um quadro de serradura para poder ver o céu. o vento soprou-lhe qualquer coisa ao ouvido. penteou uma madeixa solta. não se apercebeu de que agora o cabelo brilhava com estilhaços de palavras.

detesto produçao II

- um apoio [bla bla bla] - apoio? para apoiarem a nossa empresa?! - não, para fornecerem material para a construção de cenário com retorno de 130% nos imp... - oh senhora, nós darmos coisas? oh senhora, peça ao Sócrates que ele ganha bem! - ... - ou o Cavaco! peça ao Cavaco!

o furto

foto tirada em Londres, para exposição, antes da compra não sei o que me falta mais... este fim de semana, animação no CCB, para ganhar uns trocos extra. saíram-me caros, devo dizer. guardadas as coisas que não iam ser necessárias na apresentação numa despensa, lá fomos vender "Pharmaton" para um público ao princípio hesitante, depois contagiado... pelas vitaminas, claro. regressando à tal despensa, pegar nas coisas para sair. deito a mão à mala para tirar uma coisa da carteira e zás! não está lá. simplesmente desapareceu. claro, como sou cabeça no ar, pus em causa o facto de me lembrar de já ter mexido na carteira nessa manhã, e pus a hipótese de ter ficado caída no carro ou em casa. pois que não. foi-se. evaporou-se. os telemóveis [pois, são antigos] permaneceram intocáveis, bem como a restante mochilagem dos outros elementos da equipa. contactada a organização do CCB dizem-me que vão "perguntar à equipa". peço muita desculpa, mas nestes casos eu revistava a equip

a um amigo

cada dia é mais raro dizer que se ama. honro-te a ti, que o fazes, de peito aberto. porque de mãos dadas é mais fácil sorrir. e chorar, também. porque o sorriso dela é o sítio perfeito para descansares. há momentos que não têm palavras. este vai ser um deles... hoje é o primeiro dia do resto da tua vida...

o assobio da cobra

São Luiz Teatro Municipal, até 26 de Novembro. Quarta a Sábado às 21h, Domingos às 17:30 um musical encenado por Adriano Luz foi o meu primeiro convite oficial e directo para uma estreia deste teatro [a/c Polegar e tudo], fruto de uma colaboração que teremos num futuro próximo. peguei em mim e aproveitei, que os bilhetes estão pela hora da morte... primeiro que tudo, uma nota: as vedetas por favor cheguem uma hora a trinta minutos antes do início do espectáculo sob pena de deixarem os anónimos na sala à espera enquanto voscenças são fotografadas para a posteridade do dia a seguir... é de muito mau tom fazer um espectáculo começar 20 minutos atrasado só porque a Catarina teve de ser fotografada e depois ainda teve de dar um beijinho ao Moniz e à Bocas... a história: pois que não se percebe muito bem... passa-se numa noite, num bar desses de periferia, algures entre os dias de hoje e os anos 50, onde vão só os habitués beber até terem sangue no álcool em vez de álcool no sangue. cada p

calçada de carriche

sobe polegar, sobe a calçada sobe lenta porque isto não anda nada ponto de embraiagem travão de mão puxa, baixa, acelera, tanto não pára arranca um metro à vez chegarás ao destino amanhã, talvez dói o joelho do acelerador convive, polegar, convive com a dor a besta do lado meteu-se à bruta vai-te a ele polegar chama-lhe filho da puta sobe polegar, sobe a calçada em dia de greve e chuva é piada a espera, as unhas, cigarros e fome é bom saber que o povo não dorme sobe que sobe sobe a calçada adaptação livre - e extremamente fraca em termos de métrica ou criatividade - do poema de António Gedeão hoje, ao sair de casa, recebo uma sms: "se tivesse a minha casa [em Lisboa], não estava há duas horas na Padre Cruz. V." lembrei-me de um episódio... à nossa ;) há uns anos, em dia de greve geral dos transportes públicos, o meu jipinho resolveu simplesmente entrar em coma em plena entrada da Calçada de Carriche, fila do meio, à beira da placa que dizia Lisboa. foi uma manhã épica: eu e a

detesto produçao

contactar empresas de madeiras. que possam dispensar material, mesmo que com defeito. com retorno de 130% nos impostos. 93 números de telefone de empresas. reuniões, horas de almoço, não está. depois há os que estão... - [voz de velha ranzinza] tou?!!!! - estou sim, muito boa tarde, seria possível falar com alguém do departamento comercial? - é pró quê? - estou a ligar-lhe da produtora XXXX. estamos neste momento à procura de apoio, em madeira para cenário, para um espectáculo que vai estrear em Janeiro com a Maria Rueff... - ah nós não fazemos cá disso. a essa, a gente vê na televisão. [como se recitasse a bíblia] temos de cortar nas despesas [job, 3:45]. - eu não sei se tem ideia, mas terá um retorno de 130% do que investir... - isso dos espectáculos não nos interessa. - ..... pronto, então muito boa tarde........ [nem 5 minutos depois] - [bla bla apoio em madeira para o cenário, Maria Rueff, Miguel Guilherme, 130% de retorno nos impostos bla bla...] - sim... [suspiro pesado] sabe, i

olé

A Espanha é o primeiro país a aplicar normativas que regulam o sector da moda, proibindo manequins profissionais demasiado magras e abaixo de valores considerados "nutricionalmente" saudáveis, apostando na definição de padrões comuns para o tamanho da roupa. [...] Nas últimas semanas, dois certames de moda, entre eles a conceituada Pasarela Cibeles em Madrid, proibiram o desfile a mulheres demasiado magras - ou seja, modelos profissionais com parâmetros abaixo de 18 por cento de massa corporal, o que corresponde a 56 quilos para uma altura de 1,75metros. [...] a Esquerda Republicana da Catalunha [ERC]anunciou que vai apresentar uma moção para que a União Europeia aplique a todos os Estados-membros padrões idênticos nos tamanhos da roupa [...] O documento inclui medidas no sentido de impedir a participação de jovens modelos, com menos de 18 anos, e para evitar que a maquilhagem usada simule rostos demasiado magros ou "doentios". in Público | 16 Set 06 diz que sim, di

a day without a night

passou por mim no jardim. o carro de janelas abertas e som demasiado alto. estava embebida em verdes, crianças a brincar, o homem estranho que pinta quadros do quiosque, as vedetas na esplanada, os turistas de nariz no ar, os velhos, os hippies, os intelectuais, a tia a passear o beagle. mas olhei para trás, seguindo o rasto de som que ainda restava no asfalto. alguns cigarros ardidos depois, na esperança de esfumar o resto da tarde, a janela aberta para receber a chuva na corrente de ar. já saíram todos. ainda cá estou. perdi-me em lembranças , porque me perguntei "o que estava eu a fazer há um ano". passou-se, assim de repente, desde que pisei um palco com as palavras de outros. desde aqueles dias que valem a pena, que nos esgotam de prazer. desde que pude contar uma história. desde as borboletas a esvoaçar no peito, o calor das luzes e dos olhos, os espíritos que nos ensinam segredos e as fadas que perdem brilhos se não batermos palmas. reli as conversas, as histórias que

al fresco

Praça de Espanha, 10 da manhã. 22ºC. ventinho. humidade. semáforo. no passeio ao lado distribuem o "Metro". duas raparigas em nada mais que lingerie, botas e chapéu de cowboy e o corpinho que deus lhes deu, correm entre a pilha de jornais debaixo de um chapéu de chuva - para proteger o papel da humidade - e os carros que vão parando na fila. os olhos estão vazios. não apelam à cuequinha de algodão com padrão de ganga, não simpatizam com quem olha. horrorizada, abro o vidro no instinto básico do "dê cá isso para ver se o molho de jornais acaba depressa para você poder vestir-se... e vá para casa beber um cházinho quente" o ponto a que chegam as campanhas de publicidade neste país começa a repugnar-me. já não basta o "ELES não gostam de celulite" - as gajas adoram os buraquinhos nas pernas, mas se eles estão desagradados, vamos lá enfiar agulhas no rabo; os anúncios de cerveja em que só há corpinhos bem feitos a serem galados, e a gordinha a passear na prai

algodao doce

onde é que estamos? será por aqui? acho que sim, lembro-me da igreja enfeitada. tanta gente, que confusão. vê lá não atropeles nenhuma velhota. que horas são? interessa? não. queres ir? e tu, queres ir? o sorriso não mente. são perdidos e achados no meio dos montes, são encontros com as fileiras de lâmpadas coloridas. ali ao canto viram-se frangos e não se vê mais que as mãos no nevoeiro aromático. cheira a comida e a doces, a farturas cheias de açúcar. a olhos açucarados. depois da alma lavada no rio, raspada com cuidado nos seixos para sair a fuligem, sujam-se os pés na terra pura do chão da aldeia. as vozes abafadas pelos microfones, o acordeão, os ferrinhos, a pandeireta. as cores fortes e o aroma inconfundível dos dias de infância. compra-me um balão. estás a brincar? não, compra-me um balão. qual queres? adivinha. era esse mesmo. os dedos cuidadosos envolvem o pulso com o cordel. como dantes se fazia para não se perder o balão. os olhos curiosos de uma menina a ver outra já gran

ouvido à boca cheia

homem - ele pode dizer o que quiser, pode fazer o que quiser, dar lá as voltas dele, como entender. um gajo tem de se orientar... mulher - claro, claro, mas eu acho que... homem - já ela... mulher - é uma puta, é o que é. uma puta. homem - é um bocado atrevidota, é...

fui etiquetada

a pinky mandou-me a máquina das etiquetas: quando fores etiquetado tens que escrever seis informações aleatórias sobre ti. depois escolhes seis pessoas para etiquetar e lista os seus nomes. ora portantos... vamos lá virar-me do avesso... :: XS | é a etiqueta do primeiro impacto visual. :: XXL | é a etiqueta da minha visualização de mim mesma. passo a explicar [e isto foi-me comprovado astrologicamente]: quando em confronto, tenho tendência para não ter noção do meu tamanho. começo a inflar lá do alto do meu metro e meio e uns trocos... além de ser bastante argumentativa e inflamada [inflamável, também], tendo realmente a ver-me fisicamente muito maior do que sou... no trânsito, consta que me começa a crescer o bigode e pende um crucifixo do meu retrovisor e tudo... :: handwash, handle with care | apesar disso, sou gaja, não é? emotiva, sensível, aquelas coisas do costume. :: 99% cotton, 1% silk | o meu modus vivendi, do meu modus operandi. simples, resistente e macio. com um toque de

retornos

olá! bem dispostinhos? tudo em ordem? encontraram lugar à porta? a pilha de papel na secretária, cresceu? ou ainda está tudo a meio gás? já desistiu da dieta? já não vale a pena, não é? agora fica para as resoluções de ano novo. isso e deixar de fumar, porque mal se entra no gabinete já se sabe, os colegas também já deixaram as férias e as resoluções para trás... é que os patrões vêm assim todos motivados, cheios de energia - pudera, depois das três semanas em Cancun e sabendo que daqui a um mês voltam a sair - e uma pessoa nem tem tempo para se habituar ao ritmo. depois cai-se em tentação. começa logo com o café. tinha reduzido e tudo... já era só um ao almoço, mas a bica e o queque... pronto, é aquela coisa... e depois o fumo e o cheiro e o vício de dedos, logo agora que já tinha deixado de roer as unhas... que maçada... e a colega, trouxe as fotos do Algarve? o Joãozinho está enorme, não o fazia assim! e o bronzeado, mas que belo bronzeado, parece que Deus o deixou a cozer um bocadi

bocas doces

no meio da colecção das embalagens antigas, há sempre uma tradição que se mantém. essa, mais que para fazer uma colagem de latas de farinhas alimentícias e caixinhas de chás e pós aromáticos, é uma constante nas línguas gulosas. nos dias de calor, observar o caramelo a escorrer lânguidamente pela forma transparente enquanto se espera que a mistura ferva no leite e adivinhar, depois de um tempo de frigorífico, o eterno sabor de infância, fresco e doce, desfazer-se na boca. sem gosto da Ásia, verdade, mas açucarado como uma gargalhada embriagada de tempo bem passado. pés descalços na pedra fria, prato na mão. na sala canta com grãos de areia na voz um antigo vinil. fotografias a preto e branco, debotadas e dobradas nas pontinhas. inventam-se histórias para rostos desconhecidos. gotas de caramelo confundem-se no suor de uma colherada atabalhoada...

quantum leap

a insónia tem destas coisas... quando a ansiedade se apodera de nós, no desespero de encontrar distracção das palpitações e não querendo cair na teia dos ansiolíticos, saltitamos de nenúfar virtual em nenúfar virtual até dar com um qualquer blog [que no dia seguinte já não conseguimos lembrar, tal era a trip onírica de sono que para aqui andava] onde um vídeo nos aguça os despojos de curiosidade ainda despertos. hoje sou uma mulher nova. renasci das cinzas da vida boémia e converti-me. eu até já gostava de sabrinas, mas isto... isto é a epifania por que todos ansiamos ao longo de toda uma vida, a revelação a que só alguns chegam. eu posso dizer: vi a luz! e não me refiro ao écran do computador às 5 da manhã... não, isto é the real thing! eu sabia que havia uma razão para não ter TV Cabo: era um sinal divino! oh sim! oh sim! era tudo o que eu esperava! agora sim, terei uma juventude sem mácula ... e cantem, cantem comigo: Hagamos juntos, este crucigrama Aplacemos lo otro para mañana Can

enquanto houver estrada para andar

se tudo fosse asfalto. se tudo fosse o vento a envolver-me em giestas, pinheiros e eucaliptos. se tudo fosse um horizonte que se desnivela conforme as curvas da estrada. se tudo fosse já ali, não interessa onde. o calor a lamber-me o suor, o frio a rasgar-me os olhos. a sombra presença constante nos riscos, socalcos e vegetação, nos verdes, nos ocres, nas papoilas, nos prédios, nos girassóis. os mapas e as decisões aleatórias, como as linhas das mãos. um tecto enrolado atrás de mim, ou a vaga ideia de uns lençóis brancos algures. se tudo fosse o teu cheiro a brincar nos meus cabelos. o ronronar do motor e o recorte perfeito do teu pescoço. se tudo fosse o adejar da tua camisa, para o assomar das tuas sardas onde passeio os dedos, onde descanso enfim.

varanda

o dia vai silenciando os movimentos. já se conseguem contar as luzes em volta. luzes de presença no breu cálido da vaga de calor que não amaina depois do crepúsculo. no anonimato de mais um andar, os movimentos lentos de quem procura uma brisa que alivie as gotas de suor. ecos vagos de vidas que adormecem. abrandados pelo peso quente do ar. um jornal virado. um riso jocoso vindo da tasca ao fundo. um carro que passa. pratos tilintam num lava-louças. uma tosse. um choro de bebé. numa janela recortam-se dois corpos. preparativos do sono perante cortinas abertas. devem falar de como correu o dia. ou outra conversa qualquer. corriqueira. rotineira. sente-se nos gestos afastados e casuais. ele adormece de costas para ela, que lê. daqui a nada ele reclamará do calor da luz acesa. mas na varanda já se desviaram os olhos. para o céu pontilhado de branco que se confunde com a montanha em frente pontilhada de laranjas. pontilhada de vidas. respira-se devagar, espera-se ainda a piedade de um sopr

floribelas

suo por todos os poros. não aguento quando a ventoinha se afasta de mim. zapping de tarde. estou a tentar poupar os DVD's de "O Sexo e a Cidade", os filmes emprestados, os livros. dou uma desesperada oportunidade aos programas da tarde da televisão nacional. do alegre Malato e as suas velhinhas e emigrantes, salto para uma qualquer coisa sobre segurança no trabalho, e depois para... um concurso de mini-Floribelas. sim. as crianças deste país adoram a menina das flores e das saias às flores, e as canções das flores e as purpurinas e o enredo de novela mexicana... com flores. querem ser tal como ela. e o abençoado canal responsável pela súbita explosão de adeptos à horticultura continua a exploração até ao tutano desse grande acontecimento cultural. agora as nossas crianças mandam vídeos das suas interpretações e coreografias, desenhos, e têm até direito a aparecer no prime time das donas de casa: os programas da tarde. ali estavam: três meninas pequenitas que tinham de can

o trauma de agosto

pequena explicação: há quem trabalhe neste país a recibos verdes porque não tem outra hipótese. não falo de advogados nem de médicos, falo de mim e, como eu, de outros tantos. nesta situação, misturam-se num estranho limbo os "direitos" de quem trabalha como independente e os "deveres" da entidade patronal, que nos contrata a recibos mas depois... horários de trabalho iguais aos dos contratos, às vezes piores, ficamos nós encarregues dos próprios descontos, não há cá 13º mês ou subsídiio de férias e a santa entidade resguarda-se a possibilidade de suspender o trabalho quando não quer/não pode pagar. não há espectáculos desde Junho. portanto, não há dinheiro a entrar... não há produção em Agosto,porque os "todo-lo-mandas" deste país e respectivos assessores, secretárias e empregadas da limpeza vão de férias. por escala. ou seja: na primeira parte do mês vai o patrão e é preciso uma assinatura ou um parecer, na segunda parte vai o assessor e sem ele a reuniã

do desejo

prepara-se a turma para a apresentação final do workshop de teatro. emoções cansadas, demasiado tocadas, desabituadas nas suas redomas de segurança do dia a dia. ali são exploradas e quase violadas. e sabe bem a exaustão da reunião de olhos inchados, narizes a fungar, membros sem força, todos em círculo no fim. - sabem que no dia do espectáculo pode acontecer tudo... o teatro é de facto um mundo mágico. é uma adrenalina imensa, fortíssima. é uma sensação de prazer... olhem, melhor que o sexo. risos nervosos. silêncio. - mas sabes o que consegue ser ainda melhor que essa adrenalina? - hã? - é fazeres sexo no palco...

o vestido

[ms] vou vestir-me de mim. não espero outros ventos. podem não chegar. nos dias em que o tempo não corre, não valem a pena as palavras amarguradas. acredito em fases más, em tristezas, em soluços, em solidões. não acredito em olhares eternamente torturados. desconfio deles. normalmente inspiram demasiado egoísmo. e cansa. cansamo-nos nós de nós próprios. e depois cansamos os outros. tudo são gestos. desde umas águas-furtadas e lençóis brancos com sotaque ao girassol ali bem no caminho de quem vai do parque de campismo para a praia nos únicos quatro dias de férias deste ano. pequenas provas são-nos dadas todos os dias. pedaços de suspiro que finalmente chegam com o perfume do descanso. um amigo que aparece para uma noitada de conversa. ou um almoço inesperado. mais do que satisfações egoístas, são motivos. hoje, amanhã. logo. logo se vê. não. vou deixar de me desperdiçar. hoje são cores claras. azul, muito azul. do céu da minha cidade. uma saia que flutua. Chiado abaixo, Príncipe Real a

do patrao #5

[cada um no seu computador... silêncio...] - opá, porque é que não consigo ver o Helder? - o Helder? - sim... existem e os Helders e os Shoulders. ah! já está. eu estava aqui ó tio ó tio que não via o Helder... - tens aí a opção... change from Header to Footer. - pois, já vi... anda lá, Helder! [isto hoje está uma riqueza...]

do patrao #4

- ó polegar, esse computador tem uaiuôze? - tem o quê? - uaiuôze! aquilo dos fios. que apanha do ar. e o coiso... do blutu... - ah, wireless! - isso. - tem wireless mas não tem bluetooth. [silêncio] - [canta] I you be a uaiuôze, uaiuôze, uaiuôze.

do patrao #3 - crise dos quase quarenta

e uma pessoa assiste a isto... ele - ai, credo, nem acredito. é que é como se fossem quarenta anos! quarenta anos! e eu estou nesta vida! como? imagina só... se eu tivesse levado a vidinha normal que toda a gente leva... era... deixa cá ver... bancário! sim, bancário. já tinha uma casa muuunto grande... e um crédito para pagar a casa... e era casado... e tinha filhos! filhos, já tinha filhos! já me imaginaste isto? e depois, depois levava-os ao oceanário! mas não era para pedir patrocínios! cá agora! não, ia com as criancinhas ao domingo ver os peixinhos... sim, e ia ao teatro, pois ia... mas era a pagar! pagar o bilhetinho! com o cartão de crédito! ela - já viste, até cartão de crédito tinhas... ele - pois era! mas uma pessoa mete-se nesta vida... mas que raio. e depois deixar? como é que consegues? é uma coisa medonha! fica-se com uma sensação... uma sensação... que... que... sabe deus! não sei dizer. olha, se largares morres. ela - por isso é que cá andamos, maluquinhos, com este v

bom dia

[foto de ms] "Pois se eu agarro as coisas com estas minhas mãos, e sirvo-me delas, e uso-as, e gozo-as, e gasto-as até ao fim, sem deixar perder um único pedaço, e depois não fica nada, as mãos ficam-me vazias! Vazias! Exactamente como se nunca tivessem pegado em nada deste mundo, como se não tivessem nunca feito nada, como se eu nunca tivesse nada nestas minhas mãos![...] Farto de fantasias ando eu até aos olhos! " Pierrot e Arlequim , Almada Negreiros ... ou: há dias em que se acorda com o rabo virado para a lua...

fotossintese

[fotos ms | montagem polegar] do Gr. phôs, photós, luz + síntese s. f., combinação química causada pela acção da luz; Bot., processo químico através do qual os vegetais e certas bactérias e algas azuis produzem a sua própria matéria orgânica, a partir de energia luminosa e de substâncias simples, como a água e o dióxido de carbono, libertando no processo oxigénio para o meio.

vazio com pedaços

cinza de cinzeiro, cinza de chuva, cinza de grafite. branco cego amarelado que seca os olhos embaçado de um respirar pesado que se cola. vozes ausentes de vidas paralelas, arrumam carros, assombram a janela, que, aberta, deixa passar na estrada e roer nos ouvidos os bichos de metal e as caras enfadadas. marasmo de azias, modorra que arranha o sentido dos passos, cerveja mole sem lábios de espuma. há dias em que a cidade se pega aos pés e não os deixa andar. não deixa. regressar e ver-te estendida nas sete colinas fez-me chorar. às vezes não te vejo as cores dos prédios, vejo apenas paredes cinzentas a desabar-me no ânimo. a esborrachar-me a vontade no chão sujo. a esventrar-me num qualquer beco sem saída. por ora não me lambes as feridas. só me sugas, desencaixas-me, onde perdeste o meu relógio? mas sei que algures me escondes o chão prometido. sei-te os cheiros do cimo do elevador, o livro do entardecer. sei-te o colorido debaixo do véu dos escapes, os ombros azuis da noite, dourados