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é depois


[ms . um ano depois]

contava os dias e nem dei que os dedos deram várias voltas ao teu corpo. estava entretida com os entretantos. com os rasgões que o cinzento, o frio e os desesperos abriam em mim. que tu selavas e cicatrizavas com sopros ferventes. enquanto ias e vinhas na minha pele, preparavas uma gota de suor à parte. então é que percebi, era a teia, uma teia de fios leves, espessos e húmidos, curandeiros como os lábios que se tocam com mais do que desejo e carne. e enquanto dormia, tu tecias. de repente - tão de repente que foi de rompante - arrancaste-me das cinzas que me rasgavam, do cinzeiro de vidro onde jazem as beatas já gastas. arrancaste-me e empurraste-me com força, sem me largar a mão. deixaste-nos cair. num puff vermelho com olhos azuis. e conforme caímos, o puff apanhou-nos, secou-nos à lareira, fez-nos dar três voltas no ar e desaparecemos.

e estávamos ali como quem vai para o rio, duas ruas à esquerda, depois da viela adormecida nas luzes de uma porta, contam-se três candeeiros depois do início do quarteirão. fica bem perto da loja de brinquedos antigos de grades fechadas, de moldura de madeira azul escura. ali, onde se dispersam quentes no gelo do ar os laranjas dos prédios e dos seus recantos.
nas vielas de traços que já vou apanhando no teu bloco de notas. assim em azuis escuros para cima e amarelos para baixo. quando não só a preto e branco com o nariz frio. sem medo de me enganar, porque lambemos a meias o selo e enviamo-las de volta para a caixa do correio da casa às cores. porque são nossas, já, segunda casa como a primeira, em que as linhas às cores não nos enganam mais que as que riscam as palmas das mãos.
e as bátegas do rio soam estranhamente a uma nova bateria movida a gargalhadas, ali para os lados do 17. a serões quentes de palavras cansadas incansáveis. café. para ti simples. para mim com um assalto ao açucareiro espantado.

outro salto. e à nossa frente as princesas com quem canto em coro. e como as conheço, puxo-te agora eu o braço. e tu abres os olhos de espanto e dizes "eu não vi isto!". eu rio-me e arde. arde de vitória.
antes do salto final, com absorção de impacto no tal puff dos olhos azuis, a fada dos aniversários no estrangeiro deixa-me gin tónico para ler debaixo da almofada.

a meias palavras a meias, feitas as contas, foi isto. consta-me que será sempre isto.

Comentários

Anónimo disse…
sempre(s)...

belo texto/partilha...
Anónimo disse…
o caminho é simples quando há gente que ajuda.
não o fiz sózinho e disso não me esqueço.
como não me vai sair da memória o sorriso de alegria ao ver escrito no placard do aeroporto:
paris.
cinco letras que são luz e sorriso.
para ti.
para mim.
para nós.
Anónimo disse…
Querida Polegar
Texto magnífico de leituras soltas e sonhadas...
Um beijo
Daniel
Anónimo disse…
é assim mesmo que vos vejo.
é assim mesmo que encho o peito de ar novo quando estou convosco.
é mesmo assim que vai ser sempre.

que dedicação bonita, que palavras de amor tão bonitas.
parabéns, polegar. desta vez, acertaste em cheio ;)

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