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Mensagens

A mostrar mensagens de 2005

paginas ou o proximo acto

os dias entretecem-se uns nos outros e as pessoas umas nas outras. momentos que passam a correr e momentos que demoram a passar. querer apanhar o tempo bom e querer despachar o mau. querer ter tempo para saborear. há muitos anos atrás não me conhecia como sou. não me conheço amanhã. falar de ano novo e de dia novo e de segundo seguinte novo. de vida por estrear por construir com os cimentos dos passados. de laços improváveis de laços estranhos de laços simples de laços quebrados e laços desatados. de partilhas corrompidas. de calmarias e tormentas. os balanços são sempre feitos com pólos negativos e positivos, balanças mais ou menos umbilicais. medos, riscos e petiscos. levantar a cabeça e seguir em frente. a minha avó na minha cabeça, a cada passo. ganhei desejos de boas festas, bom natal, bom ano. digo ganhei porque do outro lado de cada um estava uma quente mão estendida. generosa. porque confiante, porque confia em mim. sensação de um abraço, de uma entrega. uma partilha inacreditá

aha

The Movie Of Your Life Is A Black Comedy In your life, things are so twisted that you just have to laugh. You may end up insane, but you'll have fun on the way to the asylum. Your best movie matches: Being John Malkovich, The Royal Tenenbaums, American Psycho If Your Life Was a Movie, What Genre Would It Be?

tacto

procurou o conforto do assento atapetado meio curvo da carruagem, onde as suas costas não encaixavam bem. deixou-se embalar pelos roncos ecoantes da velocidade e pelos espasmos de cada paragem. os cheiros e vozes à sua volta contavam-lhe as histórias de cada um e de ninguém ao certo. também não interessava. a cada zumbido de portas deslizantes a azáfama dos pés apressados e rabugentos. os encontrões surdos e as malas das senhoras a baterem nas cadeiras. "com licença" "desculpe" "quer-se sentar?". os sacos de plástico numa restolhada. os anéis a tinir nos ferros. de súbito, um perfume. não se mexeu, mas os seus músculos retesaram-se sem clemência para os sentidos assustados. nos solavancos ritmados subiu a música há muito adormecida, desperta pelo aroma que agora lhe trazia à lingua o sabor amargo e revitalizante do perfume acabado de pôr. ao seu lado o calor de uma perna. mesmo ao lado da sua. uma simples perna, um membro do corpo humano. que transportava

frases para o dia

"eu olho para ti [no escritório a trabalhar sem gosto] e definho" "agarra-te ao que gostas, não esperes" [JB . actor . in charcutaria francesa] "you can feel my lips undress your eyes" [franz ferdinand . in darts of pleasure]

faz-me "espece"...

à saída do escritório, para ir almoçar, encontro na entrada um rapaz e uma rapariga a olharem para a lista de empresas que co-habitam neste multicentro como se estivessem a consultar um menu... - desculpe, queria uma informação... sempre disponível, preparei-me para ajudar... nunca me pensei que me fosse cortar a digestão... - aquela empresa, a XPTO Filmes, aceitam actores aprendizes? mas mas mas... como actores aprendizes...? contive-me e respondi o mais polidamente: - por acaso faço parte dessa empresa, o que lhe posso dizer é que normalmente trabalhamos com uma carteira de actores profissionais e, se estiver interessada, pode mandar currículo para o nosso e-mail. se andarmos á procura entramos em contacto... - sim, mas e assim pessoas que queiram aprender...? então... pera lá... tzzzt... tou em curto-circuito... - é que nós queríamos começar a fazer umas coisas, aprender, e queríamos informações sobre se aceitam aprendizes. mas o que é que ela quer que eu responda...? mas mas mas...

consoada

|maria do céu| abre a porta com o ar curioso que traduz a única vivacidade que lhe resta dos 30 anos. o resto nos olhos é tristeza. ainda veste a roupa de trabalho na quinta do pai, onde ordenha e trata as vacas. já não passa a ferro porque a preguiça entorpece-lhe a vontade. é grande, alta, cabelo crespo curto e olheiras que são já parte da pele. deixa entrar de sorriso dorido na pequena casa, recebe as prendinhas com beijos húmidos, amargos, de olhar esquivo. a bebé está a dormir. o marido agora não tem trabalho nas obras e foi passar o Natal com a outra mulher e os outros filhos na Roménia. não há presépio, apenas um pequeno projecto de árvore de natal cortado de um ramo de pinheiro, com algumas bolas velhas. também não há embrulhos na base da árvore. são nove da noite e estava a preparar-se para se deitar. à despedida, de alma cheia de lágrimas, mesmo antes de fechar a porta, olha para o fundo da rua. o casarão do irmão, todo iluminado a preceito para a quadra, envenena-lhe o ar co

antecipação

fujo cá para cima, depois de ter acendido todas as velas possíveis e imaginárias em minha casa. lá em baixo a azáfama porque os bolos-rei pegaram um ao outro no forno e é preciso telefonar a quem está longe. a panela gigante do bacalhau está no fogão e ciranda-se entre a bancada e a mesa com as fatias douradas acabadas de fazer. roubam-se sonhos de cenoura às escondidas e recebem-se mensagens no telemóvel. cheira a lenha queimada e ao perfume da minha tia. soa a sua voz cantada em espanhol, arrancando uma qualquer gargalhada à voz do meu pai. sei que o meu tio vagueia pensamentos no televisor e a minha prima ajuda a minha irmã com qualquer coisa que ficou por fazer. sei que a minha mãe rodopia na cozinha de cara aquecida pelo fogão e pelos beijos que lhe roubo para lhe contrariar os nervos. chuvisca e as gotinhas sapateiam na janela por cima da minha cabeça. detenho os dedos acima do teclado. imagino-vos nas vossas casas, ou de regresso às da família, a pôr a mesa, em amena cavaqueira

conversa com um anjo

sopras-me ao ouvido de vez em quando. sinto um calafrio. quando as coisas correm mal, sinto as tuas mãos à minha volta, como quem vai buscar umas meias para eu não me constipar. senti-te quando vi o rail a vir na minha direcção. sei que te senti. isto do saber que se sente chega a ser contraditório, se se sabe não se sente, pensa-se. mas não interessa. andas por aí, eu sei que andas. por isso pego em ti e tiro-te da árvore. miro-te fixamente para que me prestes atenção. tens muito que fazer, eu sei, mas espera um bocadinho. não demoro muito. o que te quero dizer é que vem aí aquela altura de que tu gostas tanto. estão aqueles dias brilhantes e geladinhos, em que é bom pendurar a roupa ao sol, com os gatos a passearem-se nos tornozelos. é tempo de noites em que engomar sabe tão bem pelo aroma da roupa quente onde perdes os pensamentos. é aquela altura em que o crepitar da lareira te traz as recordações dos teus tempos de aldeia e do tanque onde as moças de lenços na cabeça e olhos salpi

delirium dancems

comentava hoje aquela coisa de desatar a dançar sozinha. se era só prazer ou se era indicativo de algum desequilíbrio. isto porque sou consultada como "pessoa que tem aquela profissão [actriz, hem?] e portanto não é normal, e portanto deves ser a indicada para falar destas coisas". isto também porque determinada pessoa dita "normal" resolveu quase partir um dedo do bem que lhe soube desatar a dançar no meio da sala ao som de uma música. os meus pêsames à mesa. olha, não sei. não sei se é loucura ou sanidade. se é terapia ou enredo. eu gosto. muito. danço perdida entre as mesas do escritório, no meio da rua, interrompo uma conversa de café, se necessário. sozinha perco a cabeça e devaneio para sítios que não sei onde ficam e que só aparecem com música. logo a seguir esfumam-se no ar e fico eu e o suor e a vertigem. mandaste-me a música. e cá estou eu. ainda soam os ecos de uma música que adoro e nem lhe sabia o nome apesar de lhe saber as palavras. ainda há uma bruma

carrossel

a menina rodopiava entre luzes de todas as cores, sem noção do frio, do momento ou das dores em volta. rodava apenas, de olhos postos ora nos mundos do chão ora no cavalo branco de madeira que, desconfiava, a levaria para longe, em mil passeios de vento na cara em que a mãe lhe diria adeus e ela partiria com a certeza de que no regresso ainda a veria de rosto arrefecido aquecido pelo sorriso de orgulho. na menina que cavalgava em cima do cavalo branco. e perseguia os pombos que comiam migalhinhas pequeninas que lhe saíam das mãos de luvas lambuzadas de chocolate. a menina, de cabelo comprido e olhos de sonho, pulava sem sentir o peso dos casacos pelas bolas de mil cores que lhe salpicavam os pés, imaginando o prado verde, passando depois para a praia e os baldes e os castelos, vestia o vestido de princesa de sedas e tules cor de rosa, e depois descansava uma noite muito azul com um gato branco ao colo. viajava a menina, sem perguntas, no silêncio solene dos seus pensamentos, e a música

polegada #5

|the bat hour| temos de entregar 10 episódios até 6ªfeira. havendo pouco tempo disponível no estúdio (porque fazem locução de documentários, legendagem, têm de tratar os episódios já dobrados e eteceteras), teremos, os actores e respectivos alter-egos, de nos desdobrar em horários, digamos, alternativos... entretanto, aqui no escritório, um outro grande projecto, megalómano ou não, não sei, aproxima-se a passos largos. apesar de tudo, é nos meus dedos que confiam na altura de redigir, de explicar, de polir, de corrigir. os textos terão de ser meus, baseados em "ditados melódicos". como o patrão que vai fazer os ditados tem, ele próprio, sítios onde estar e coisas importantes a fazer durante o dia, a execução e tecelagem desse tão nobre projecto terá de ser feita... de madrugada. outra situação é uma reunião estranha que me marcaram para uma destas noites, que não sei onde vai parar, mas também ainda não quero pensar nisso. a hora do morcego chegou... e ainda não fiz as compr

nua

há meses que pensava despir-me. assim, vestir-me apenas do branco transparente das teias translúcidas da minha mente. o tempo e as circunstâncias entorpeceram-me os dedos. no repente decidi-me sem mais delongas. apesar de o sangue das papoilas ressaltar mais no escuro, aqui fica a minha cabeça no colo da minha avó, num lençol que me lembra os verões de menina. botão a botão fui desnudando o negro. desprendendo-o de mim sem efeito de catarse. apenas agora quero despir-me. revelar-me. no reflexo destas linhas. noutro contorno que me mostre a mesma, que essa não se altera. as cores de que, alguém me disse, eram feitos os meus textos condensam-se agora naquela que, dizem, é a cor que concentra as cores todas. neutro, também. depois da longa corrida, suada e cansada, tomei um banho prolongado nas palavras e consumi em respirações timbradas o fumo do cigarro das conversas amenas. aqueci-me entre vozes aveludadas, em luzes ténues de presença. de vigia. aqui estou. sou eu, a mesma. o caminho é

whataweekend

hoje tenho de ir às prendas. amanhã tenho de ir buscar a minha mala de maquilhagem, voltar para Lisboa, comprar o que falte e fazer ensaio de maquilhagem na noiva que vai estar a meu encargo nesta passagem de ano [já referi que se vai casar na passagem de ano?]. correr para o encontro de café que não posso perder. correr para o aniversário de um amigo. depois tenho de estar às 10 da manhã nos estúdios para gravar mais pelo menos 3 episódios de ursos [já referi que é Domingo de manhã e que tenho de acordar às 9, pelo menos?]. correr para ir almoçar com a famelga. vai faltar qualquer coisa e vou ter de ir a Lisboa outra vez... provavelmente às compras de Natal [já referi que tenho pelo menos 12 prendas a comprar, que estou falida, e que toda a família já fez anos em Dezembro e arredores?]. e segunda já é dia de trabalho...

to me you are perfect

ele era um bicho de contas. choro sempre que o vejo. assim que o vejo. compreendo-o com todos os ossos do meu corpo. respirou fundo e decidiu que já chegava. atirou-se de cabeça. ficou-me gravada a sensação de querer dar-lhe um beijo no galo. depois desta frase, já não sei onde quero chegar com isto. perco-me em considerações que poderão ser tolas ou aborrecidas. ou pouco terão a ver com o que digo agora, com o que queria dizer. as palavras às vezes só complicam. só interferem. doseamo-las da melhor forma que sabemos. preenchemos os espaços de ar com a respiração. encolhemos os ombros. para não magoar ficamos com os braços dormentes. para não nos magoarmos dói-nos o peito. a perfeição instala-se nos instantes em que nos suspendemos no ar. suspendemo-nos de nós. damos férias ao pensamento. e sentimos as texturas do vento, do pó, da canela e de uma qualquer música sussurrante no ar. tenho momentos em que me reprimo de tal maneira que não me conheço. não me compreendo. mas tu compreendes-

sou uma ursa

de coração no nariz, cores de cuecas de bebés, vivo numa nuvem com outros tantos. tenho uma imagem querida e fofinha na barriga redonda e peluda. que de vez em quando sai de mim e espalha amor por todo o lado [isto não soa lá muito bem...] às vezes tenho fraldas, metade do tamanho dos outros, uma voz irritantemente aguda e sou belfa. sou a Hugs ou Abracinhos... noutras, falo também agudo, mas não tanto, e prometo encher a terra dos ursinhos - "Care-a-Lot" - de enfeites cor de rosa... é a Cheer Bear ou Coração Animado... estas são as fixas... entretanto, no meio desta turba de seres tão-fofinhos-que-irrita, ontem gravei durante quase 3 horas. foram três episódios em que eu própria estendia os braços para trás, de fones na cabeça, espetava a barriga para a frente e gritava - 3, 2, 1, iluminaaaaaar! depois resolveram que eu ia fazer 2 ursos homens além da Animada... e ironicamente andavam sempre os três juntos, falavam em coro... e faziam uma corrida, portanto os uffs, ais, ahs

cup&cino

ao som de uma qualquer martelada e de Sting revisitado, a conversa foi fluindo durante horas que não chegaram a avisar que tinham passado por ali. primeiro correm as fotos debaixo de uma tecla, e os cheiros mudam e o ar parece deliciosamente arrefecido, parece que das bocas se soltam nuvens pequenas de vapor, que nos pés correm outras pedras. partilham-se os ventos e as luzes, dando-lhes a terceira dimensão dos sorrisos. depois as palavras descobrem novidades antigas, na língua humedecida por qualquer coisa quente e doce. a medo, primeiro, depois com uma vontade apenas de partilhar. são precisas umas queridas tareias com festinhas nas mãos e cigarros absorvidos de olhos brilhantes. uns passos reticentes entre uma bússola de cera e chama tremeluzente. e o mundo pára quando alguém leva a mão à cabeça e diz 4 palavras: - nunca tinha pensado nisso... um bichinho de contas enrolado em cima do tampo da mesa, com medo do frio, do tempo que passa por ele e não quer que passe e quer que passe.

o duende feliz

não, não é nenhum post acerca do nosso amigo linkado aqui ao lado, esse mestre dos contos e das fantasias... se bem que merecia... é que recebi uma prendinha de Natal e pude voltar às dobragens... algures nesta quadra [ergh, detesto esta palavra] passará na TVI o filme de animação "O Duende Feliz", ou "The Happy Elf". a Molly sou eu. [não tem que enganar é a miúda cuja primeira cena se passa a apedrejar o dito Duende, o Eubie... eheheheh] e também sou eu [kind of] que abro o filme, com a Irmã... esta não tem nome próprio, mas é a ela e ao irmão [que ela entretanto transformou em árvore de Natal à pancada] que se vai contar a história do Duende. sim, sim, calharam-me as miúdas reguilas e ainda por cima as duas dentro da mesma faixa etária... e agora fazer duas vozes distintas...? seria cantado pelo Harry Connick Jr. [essa maravilhosa voz que me persegue com a banda sonora de When Harry Met Sally] mas agora deve ser o Quim Bé a cantar... também não está mal... tu, jov

a epoca dos presentes

é sempre uma batalha esta época do Natal. não apenas por causa do Natal em si, mas por causa dos aniversários de uma família maioritariamente sagitariana. esta época das duplas dores no bolso começa em Novembro, dia 20 com a minha querida "mais nova", a menina dos caracóis loiros. no dia 1 de Dezembro é comigo que vêm ter as velas e as palmadas nas costas. dia 4 é o avô-polegar, que já fez os 90 sempre de tubinho de oxigénio como companheiro, tabuleiro à hora certa, chupa-chupas nos dias de bola e a campainha preparada para nos levar à loucura. um senhor que apesar de caprichoso, temos de reconhecer, é teso como já não se faz e insiste que velhos seremos nós todos antes dele... deseja sempre "que contes muitos e eu a ver"... o papi-polegar faz anos hoje. o meu querido pai, auto-didacta, transmontano de costeleta, inteligente, brincalhão. está doentinho, calhou mal, mas não vai ser uma gripe a impedi-lo de sorrir. depois vem um tempo de calma... ou seja, descobrir on

vermelho

vermelho escuro. pequeno. divertido. diziam que era a minha cara. era, sem dúvida, um cacifo da minha vida. um companheiro, sim, apesar de objecto. estranharão muitos este post, este estranho apego a uma coisa. mas essa coisa simplesmente foi a minha casa e a minha liberdade ao longo dos últimos 7 anos. nascido em Novembro de 1998, morreu em Novembro de 2005. morreu. porque não volta a andar, porque mo destruíram. durou 7 anos certinhos. era meu por uso capião e por estima. estranhamente sentia que me passava emoções, que me percebia, e, sim, eu falava e cantava com o meu jipinho. agora, entre pesquisas de valores comerciais em guias de automóveis, pergunto-me como vou pagar prestações de um novo carro. porque o que ele vale para os técnicos é pouco. e pergunto-me também quem me vai pagar as aventuras, as paisagens, os cheiros, as lágrimas e as risadas que aquele carro viveu? ficam as recordações . das coisas boas e das coisas más . especialmente a nível de aderência ao chão e assistên

e eu que acho que nao viajo o suficiente...

26 voltas ao Sol... tão fixe! o Sol está a aproximadamente 8 minutos-luz da Terra (i.e., a luz demora t = 8' = 8* 60'' a chegar aqui, viajando à velocidade c = 3*10^8 m/s). assim, o perímetro da circunferência descrita pela Terra durante uma volta ao Sol é (tudo aproximado, claro) dado por 1 volta = 2 * Pi * r = 2 * Pi * c * t = 2* Pi * (3 * 10^8 m/s) * (8 * 60 s) = 2,9 * 10^11 m = 3 * 10^8 km 26 voltas serão, então, 26 * 3 * 10^8 km = 7,8 * 10^9 km conclusão: já viajaste, muito aproximadamente, 8.000.000.000 (oito biliões) de quilómetros pelo espaço. nada mau ;) [informação gentilmente enviada por mail pelo querido Ni, que tem andado desaparecido mas não ausente]

sabe bem olhar para ela

[ms] desembrulho-me. ali como quem vai para o rio, duas ruas à esquerda, depois da viela adormecida nas luzes de uma porta, contam-se três candeeiros depois do início do quarteirão. fica bem perto da loja de brinquedos antigos de grades fechadas, de moldura de madeira azul escura. ali, onde se dispersam quentes no gelo do ar os laranjas dos prédios e dos seus recantos. onde a chuva pica na cara de tão fresca e se lambem os beiços húmidos para depois os deixar cantar com a senhora de voz cansada mas com trinado certo num labirinto de azulejos sujos do metro. ali, onde os telhados descobrem cortinas brancas e o recorte da mulher nua em contra-luz com sílabas afuniladas. ali, onde os teatros se deitam no colo, ao som do alaúde. ali, onde as sombras do rio são nenúfares azuis que sabem a geleia de morango e riem com os sinos da catedral. encontro-me, sempre ali. em qualquer lado. nos pés doridos e satisfeitos.

no palco nunca estás sozinha

[ms] os fantasmas vivem lá, habitam em cada grão de pó. os fantasmas de todos aqueles que vivem ali, e ali só. que nascem em palavras da alma de algum escritor, brotando tinta escura no papel imaculado. são antigas, as letras, ou nem por isso. não interessa. ali repousam, as letras, as palavras, os espíritos transparentes. um dia são acordados por umas mãos que lhes tocam ao de leve. depois soam as gargalhadas lá fora, ouvem-se falados. ouvem-se a si mesmos a respirar, a sofrer e a sorrir, entre conversas que não conhecem. assim, meio entaramelados, os fantasmas sentam-se na borda do papel, mirando aqueles seres de mãos quentes que acariciam as suas páginas, que seguem com dedos espetados os parágrafos das suas ruas. que evocam as suas letras, a sua tinta. vêem esses seres de olhos sérios, olhando-os dali sem os verem, fixando com dúvidas e ar confuso as frases que disseram. aos poucos as expressões mudam, parecem compreender. rabiscam novas letras ao lado das suas. que revelam sentire

morte no parque

desorientou-se na outra turba estranha de gente, onde rostos conhecidos lhe transmitiam apenas a dor da transparência. o caminho era o mesmo mas sentia-se outra desconhecida. media os passos na alcatifa e os cheiros possuíam-lhe os sentidos. passou pelo seu rosto e não se viu. há dias assim, pensou. em que se confirmam apenas as feridas por cicatrizar. no veludo vermelho deslizaram-lhe as curvas de arcos de pedra gravados na pele. ainda gravados. sentia-lhes de perto o toque, a respiração. das pedras, sim, das pedras cinzentas frias imóveis que respiravam nela. como respirava aquela cara que a mirara de olhos cerrados no sono eterno de duas dimensões. e um outro corpo nu de rosas no colo e pescoço atirado para trás. e luas roxas e fios vermelhos. e canos entupidos e calças arregaçadas e a capa preta num sofá bafiento. indelével, contudo, também a transparência com que se sentava ali. não disse mais do que o necessário, não abraçou ninguém que não quisesse abraçar. ficou por sorrir tudo

desrespirado

a multidão condensava-se num vapor pegajoso e barulhento. luzes demasiado brancas, neons e cartazes. consumia-se em cada passa de cigarro para se tornar mais nítida depois do fumo se misturar na respiração do ar condicionado. duas amigas em gargalhadas, um grupinho discutia trabalhos e teorias, com cuidado para não sujar a gravata com o molho da maionese, se ela fosse lá ter agora não estava com essa em cima, ela tem de se desenrascar, onde compraste esse casaco?, o caderno em cima da mesa. alheia de sons e vozes e suspirares, observa apenas, absorta, ouve sem fixar. alarme de loja dispara sozinho. a sério? mas achas que. fui ao centro comercial pipipipipipipi. o pensar misturava-se com os sons sem nexo e sem nexo continuava o pensamento. bocejou. desligou. o filme começa daqui a pouco

no vidro

[ms] sentou-se na cama asfixiada com o ar tão leve que quase não o sentia entrar dentro de si. levantou-se sem contar os passos, e o chão deixava-se pisar sem lhe arrefecer os pés. sem uma brisa que lhe arrepiasse a pele fina das costas. o inverno berrava lá fora, mas não, nem um sopro. foi até à janela e encostou a testa no vidro azul escuro de céu. olhou fixamente as lágrimas que choravam no vidro. escorriam sem caminho definido porque o vento contrariava a gravidade em andamentos musicais uivados, assobiados, fazendo dançar a água. nem na testa sentiu frio. encostou a bochecha, depois o peito que ondulava pelos botões desapertados de uma camisa velha, ainda arquejante na busca do ar fino. nem no peito sentiu o vidro. mas chovia lá fora. quis tocar no vidro choroso. estendeu os dedos e acompanhou dormentemente o descer descompassado de uma gota gorda, que logo se misturou com outra. e logo lhe caiu no dedo. não percebeu porquê, se estava do lado de cá e a mão... atravessara o vidro.

espiral

agarro-me com força ao que é bom. abraço com os meus dedos pequenos, e a minha boca procura o ar calmo e fresco de uma manhã de sol. mas já não me larga o pânico da perda. perder até o discernimento para conseguir sorrir. aquele sorriso que sempre foi tão constante que se tornou um peso e um preço, para aos poucos regressar à sua natureza. porque sempre fui de sorrir. tempos de espiral descendente. não quero cair outra vez. não assim. não tenho mais braços. não tenho mais músculos. não. sim. o corpo pede descanso. porque suportou dores de alma, está magoado, fraco, enlameado. o coração voltou a saltar, de vez em quando, à minha revelia. a assustar-me como já me assustou. não quero mais. quero deitar a cabeça na almofada e adormecer-me. descansar-me, serenar-me. quero enrolar-me no ar quente e deitar-me com o sossego. só por um bocadinho.

crash

só queria dizer ao senhor condutor que esta madrugada, na 2ª circular, resolveu vir contra o meu carro, fazer-me andar em peões e espetar-me contra um rail, enquanto fugia, que os polícias foram incansáveis e querem tanto vingança como eu. assim, enquanto o meu jipinho fica à espera de diagnóstico ou mesmo de entrada no ferro-velho, o senhor ficará sem carta, e, pelo que depender de mim, vai pagar bem caro o facto de nem sequer ter olhado para trás, enquanto parava o A3 dele (que também não ficou em bom estado)depois de uma curva, bem escondido, trancava as portinhas e ia a pé (cambaleante, decerto) para casa. senhor condutor: estamos bem, obrigada, por acaso não morremos. a festa de anos da minha irmã, que é assombrada desde a morte da minha avó, vai correr da melhor forma. e não se preocupe, eu arranjo maneira de ir trabalhar todos os dias. tenha um soninho descansado.

polegada #4

|quando pensamos que as coisas não podem ficar pior| os carregadores não apareceram hoje. o patrão tinha-os avisado mas eles não tinham sido avisados. eu e a minha colega (não a cabajona, a outra, do som, que também é franzina) tivemos de montar tudo sozinhas. os actores foram beber cafés ou para os camarins. um deles pensava que estavam a gozar com ele quando tinham dito que os carregadores não tinham vindo. só se aperceberam da calamidade quando chegaram à sala, 5 minutos antes da hora do espectáculo, em vez da meia hora regulamentar. aí ajudaram. se todos trabalhassem na montagem todos os dias, ganhávamos mais porque não se pagava aos carregadores. e eu e a minha colega podíamos chegar uma hora mais tarde, e eles só tinham de chegar meia hora mais cedo. o espectáculo começou com 25 minutos de atraso. turmas barulhentas da Baixa da Banheira. ficaram histéricas quando um ex-morango apareceu à porta para a visita guiada. como ao puxar o porta-paletes com parte do material, de manhã, ía

polegada #3

|tentativa de pendurar um cartaz a quase 2m de altura| duas mulheres. uma cabajona, outra franzinita. uma parede fina, sem ligação ao tecto, com algumas vigas. fio de nylon. escadote do séc. XVII. um cartaz. duas galinhas doutoras. cabajona: eu subo ao escadote do lado de cá. sobes para cima dos cacifos por detrás da parede e esperas que eu te mande o fio de nylon, prendes às vigas. franzina olha os cacifos, são mais altos que ela. um banco do séc. XVII oferece pouca sustentação. sobe ao banco e continua a não chegar com mais que os braços aos cacifos. não tem força para se elevar só com bíceps e tríceps e restantes íceps. em frente aos cacifos está outra parede do séc XVII. que se lixe o património. pata na parede e trata de escalar quase paralela ao chão até se conseguir içar para cima dos cacifos. espera. espera. espera. cabajona: polegaaaaaar. não consigo subir ao escadote. tenho medo. vem tu para aqui e eu vou para aí. franzina olha o banco lá em baixo. suspira. pata na parede. ou

alvorada

vai passar a ser às 6:30 da manhã em 90% da minha vida laboral. vai ser não só a A8 e a Calçada de Carriche como também atravessar a 2ª circular e entrar em Belém. vai ser montagem de espectáculos diária, quatro dias por semana. duas horas a carregar ferros, contrapesos, cadeiras, placas de madeira. juntar tudo num cenário. ir para a bilheteira e aturar as senhoras do monumento com a mania que são gralhas, as professoras nervosas, os adolescentes com a mania que são engraçados, tarados, destruidores de património e mais barulhentos que galinhas com gripe. depois das matemáticas (se entretanto os actores não se tiverem deixado dormir), começa o espectáculo. rezar para que a colega já faça ideia de onde fica o botão do play. esperar para depois desmontar tudo e voltar a encaixar num cubículo com um metro de largo por metro e meio de fundo. voltar para o escritório. de preferência de transportes públicos, já depois da hora de almoço. comer uma sandes e ir para a frente do computador. isto

mulheres

acordar cedo e entrar no carro com as irmâs. o sol a entrar pelos olhos, as vidas postas em dia, quase sem olhar a estrada porque era a caçula que conduzia. a chuva fez o ritmo no tablier das palavras que escorriam de tema em tema. perdermo-nos e chegarmos, finalmente, a uma terra perdida nos montes de Leiria. entrar na enorme loja e voltar em passos pequenos à infância. os tules, as organzas, sedas, e laçarotes. coisas muito foleiras, coisas muito bonitas. de repente ela já não era a figura que lhe conhecia. estava ali, longa, esguia, comprida, flutuando no branco da seda selvagem. entre gargalhadas, caretas, dúvidas e muitos arrepios de frio, os alfinetes entranhavam no tecido, dando forma ao desenho das palavras. palavras que saíam tremidas. do frio? aos poucos a confiança impôs-se, e meti-lhe os dedos no cabelo. também na minha cabeça desenhei linhas e contornos, que fui improvisando em concordância com o que havia à mão. já tenho a paleta de cores com que lhe vou salpicar o rosto

magusto

queríamos uma coisa típica. castanhas e água pé. acabaram por ser castanhas de um bolo-rei (!), a água pé transformou-se em triestino, hot chocolate, chá de limão e um mocaccino ou algo com nomes italiano-americanizados do género. estavam quentes e souberam bem. souberam a conversa comprida, mãos quentes e luz de velas. porque o chocolate é mais doce bebido a colheres de chá :)

dois teclados #2

Regressaste numa manhã de nevoeiro. Parece pateta mas foi verdade, era inverno e era manhã e estava frio e chegaste leve e sorridente como te recordava, voltaste a ser a boneca apaixonada por quem todos os homens do mundo se deixavam aprisionar se te vissem sorrir. Quando o peso saiu dos teus ombros voltaste a pular sobre as nuvens e sorriste e voltaste a ser feliz. E lembrei-me daquele primeiro instante, um café roubado ao teu horário de trabalho, um cafézinho roubado ao fim de tarde num jardim da cidade, e aqueles primeiros sorrisos trocados, o teu rosto era mesmo mágico, soube logo ali. |NC| És tramado, tu. Nessa cara de menino sacana, de olhos inteligentes, a percorrerem-me por dentro como se não fosse boa educação perguntar antes de entrar. Aliás, fazes tudo sem perguntar, não é? Assim me raptaste pela primeira vez do bulício das contabilidades de fim de data de entrega de IRS. Não se faz. Mas tu fazes tão bem… “Estou cá fora. Desce que preciso de cafeína contigo”. Senti-me trapa

bom dia ou... tem de ser

expiro forte no ar frio, os passos contados pela calçada branca. o dia brilha-me no cabelo e o caminho prolonga-se até à chegada. subo dois lanços de escadas e cumprimento a menina da recepção com um sorriso, ao que ela responde com outro, inclinando-se para a gaveta de onde tira uma chapa para a máquina do café. pago e sigo. passo as portas de onde já se entrevêem pessoas a circular entre computadores acesos, fundos de écrãs com criancinhas, dossiers e papeladas. quadros nas paredes e gráficos. vou ao chamado bar, onde está a máquina do café, ligo-a. abro a porta do meu escritório e cumprimento os actores nas paredes. ligo os computadores, pouso a mochila e dispo o casaco e o cachecol cor de rosa onde afundei o nariz no caminho. volto à sala do bar e meto a chapinha na máquina. a bica é mais barata e apesar de a máquina ser muito antiga, o café sai espumoso, quente, forte. volto com o copinho de plástico a fumegar, pouso-o no postal de um filme que serve de base, despejo o açúcar e ac

agruras da vida #2

a maré baixou e deixou expostas todas as fragilidades ao ar, a apodrecer. basicamente, 6 meses de trabalho deitados fora. apesar de todos os conselhos, nós, as práticas (que ficaram por terras lusas), fomos acusadas de negativas pela garganeirice dos que achavam que do outro lado do Atlântico se resolveria por magia tudo o que devia ter ficado bem explícito ainda do lado de cá (e que não dependia de nós, as práticas). parceiros que deram a facada nas costas. burocracias intransponíveis. promessas de intermediários só se revelaram ainda mais ocas do que já pareciam quando já era ou vai ou racha. acharam que era de ir na mesma. duas semanas de trabalho intensivo aqui das práticas, e foram. partir às cegas é giro, quando se é turista. depois de tudo isto, voltarão, antes de tempo, com o rabo entre as pernas, de feitios intratáveis, e com a certeza das frases que já vamos ouvindo há uns tempos: "porque é que não fizeste/levaste/trouxeste/ligaste?" (a culpa é sempre de outros), &q

bocas

desde miúda que vou ao dentista. no primeiro dia escondi-me atrás da cadeira a pedir por favor que não me arrancassem dentes. acabou por ser necessário, mas até que nem foi muito mau. o doutor, com nome arraçado de Caramelo, era bom. arrancaram-me dentes de leite, dentes definitivos, acho que uns 10 dentes no total. porque, literalmente, I could'nt keep my teeth inside my mouth. tinha daqueles espaços entre os dois dentes da frente, que prontamente foram postos no sítio com um aparelho que tinha uma Tartaruga Ninja no céu da boca. aos 14 anos estava pronta. depois de todos estes arranjos, o doutor Caramelo foi para os States fazer um masters em implantologia, e só o via e aos seus mui calmantes olhos azuis de seis em seis meses, altura de limpezas simples. antes de partir fez-me um molde da obra acabada para mostrar aos seus alunos e colegas. e suspeito que para ter um pouco de mim sempre por perto. ora bem, regressado dos States, veio megalómano. o consultório não lhe chegava. res

agruras da vida

andei a correr passeio fora atrás de uma nota de 5 euros que o querido vento amigo queria levar para longe de mim. desesperada gritava-lhe, como se me pudesse ouvir, que não me deixasse. agora desligo as máquinas e ponho a mochila às costas. vou ao dentista largar umas valentes centenas de euros, que ele não faz por menos, e ainda por cima tenta não passar recibo. (suspiro) ai...

girando em cima da mesa

"[...] A vida como uma moeda. Escolhes uma face ou uma face te há-de escolher. Avalia as possibilidades. [...] O problema das montanhas é que só conseguimos ver o que está do outro lado quando lá chegamos. É fácil dizer hoje que não mudaríamos nada, ou que faríamos tudo diferente. É fácil porque não adianta". A casa quieta, Rodigo Guedes de Carvalho às vezes é complicado pensarmos em como só vemos a solução depois de já não haver problema. depois de já não se poder fazer nada. o meu maior problema. a minha maior luta. tentar fazer tudo para que as coisas não percam o controlo. não nos percam. há muitos anos, a noite era de vigília silenciosa cansada ao teu quarto. os fantasmas cirandavam e eu não queria que te perturbassem os sonhos de menina. ficava de olhos abertos na escuridão até a escuridão me abraçar por desgaste. acredita, não aguentava mais do que o tempo que os olhos se mantinham alerta. mas tinha a sensação de que nada te tocava. que te guardava. hoje as portas do t

onde andas?

loira, tonta, de olhos grandes. onde andam eles? os olhos? porque te dizes menos? porque te dizes longe? sabes, maninha querida, que estás no casulo do meu coração? e enquanto as estações passam, sinto-te quase borboleta... quase a voar. não é para fora do meu coração. a esvoaçar, com as outras, dentro de mim. minha pequenina, tonta, de olhos grandes e caracóis de sol. põe pimenta nessa língua de pensares assim. de não pensares também em tudo o que é nosso e bonito. de que tu fazes parte. esses pesos que carregas, usa-os como apenas raízes ao solo. para poderes florescer. com a água dos dias bons. quero-te perto, maninha linda. um beijo

tricotando...

roubei este excerto descaradamente de uma conversa de msn q tive há uns minutos com a B... foi alterado por forma a preservar o anonimato de quem tem de ser anonimizado... B says: Linda, fiz à hora de almoço a transferencia para ti (dos nossos mui recheados auferimentos do SAX)  Polegar says: eheheheh boaaaaa  Polegar says: vou comeeeeer!!!  Polegar says: LOL  B  says: e fiz tb para o (outro actor do espectáculo que é o tal totó insuportável), adivinha de quem é a conta?  Polegar says: da pipipopótarecaxenica  B  says: LOLOLOLOLOL  B  says: (MUITO ALTO)  Polegar says: matarruana, aquela  Polegar says: como é q se chama?  Polegar says: calhau? bulldozer?  B says: DOUTORA xxx....  Polegar says: ah, pronto, está bem...  Polegar says: tinha ideia que ela tinha outro nome qq  B  says: sim, acho que é calhau  Polegar says: ora lá está  Polegar says: sabia que era qq coisa geológica, mas não era xxx Rocha Sedimentar  B  says: lol  B 

olha!

My blog is worth $14,113.50 . How much is your blog worth? quem quer comprar à polegarzinha, o blog na netzinha?

polegada #2

ontem, a caminho da cervejaria Trindade, passei obrigatoriamente pela sex shop ali do Cauteleiro. olho sempre para a montra. confesso, acho graça ao imaginar senhoras a tentar reacender a paixão em casa, vestindo aquelas rendas com a banha a sair por entre os muitos buracos da fatiota. e a cara de surpresa de um qualquer alguém que acha que engatou uma miúda certinha para uma noite de simples engalfinhamento e de repente a menina angelical de artigos duvidosos a gritar "say my name, bitch". ou até o rapazola de livro na mão, com a namorada deitada na cama à espera, e ele "ora... 5 centímetros para nor-noroeste do ísquio, isso fica por... aqui!" "Ah! Oh sim!!... bem, na vista de olhos pela dita montra, reparo num livro à venda. "Arte vs Sexo", do Miguel Ângelo. sim, o dos Delfins. eu não sei quanto a vocês, mas... haverá coisa mais quebra-tesão do que o Miguel Ângelo?

elevador #2

entro. o condutor acaba o cigarro e sobe atrás de mim. sacudo a chuva do cabelo, pago e pico o bilhete. fico mesmo à porta. perto, tão perto do condutor sisudo que quase sinto as pontas dos seus bigodes enormes, retorcidos, na minha bochecha. observo calmamente o caminho, sempre o mesmo, em carris. mas cada momento diferente. a luz. gente, sempre gente, mas sempre pessoas diferentes. um grupo daqueles de gente pequenina de olhos bem abertos e bibes coloridos desafia o passeio íngreme com as suas pernas curtinhas. aos pares, de mão dada. olho em frente. quase a chegar. o senhor dos bigodes, o sisudo, levanta a cabeça, e de repente os seus bigodes saltitam e ele acena lá para cima. espreito. outro grupo dessa gente pequenina de bibes às cores está de caras redondas encaixadas no gradeamento ao cimo da calçada. e agitam as mãozinhas a dizer adeus ao elevador. estico o braço e sorrio-lhes com o sorriso parvo de "gente grande". ouço um "adeeeeeuuus" de vozes fininhas de

pao por deeeeus

santa terrinha, 9 da manhã. tudo calmo. a luz entra preguiçosa por entre as portadas, o mundo parado debaixo do edredon azul, no borralho quente do corpo descansado, imerso nos sonhos sem sonhos de que a cabeça precisa, e que dure muitas horas para recuperar. blém blém blém tocam à sineta do portão (o meu pai gosta de coisas rústicas...) e um coro de vozes novinhas novinhas a estrear grita: - pão por deeeeeeeus silêncio. dentro do edredon o primeiro movimento. lento, atabalhoado, mas irritado. rezando para que este ano haja, de facto, alguém em casa, que vá à porta antes de os miúdos voltarem a to... blém blém blém - pão por deeeeeeeus não, outra vez não. este feriado é maldito. é sim senhor. cabeça para debaixo da almofada, edredon até ao nariz. trrrriiiiiim trrrrimmmm - pão por deeeeeeeus mudaram de estratégia. foram ao outro portão, que tem campainha normal. (sim, é rústico, o badalo, mas não se ouve na casa toda). oh não. sei perfeitamente o que vai acontecer. como ninguém aparece

thumbwork 1.0.1.

eu não me tinha esquecido... cá vai, sem nenhuma ordem específica, a primeira dose de fotos pedidas ... um arrepio. é que arrepiei-me mesmo, hã? as minhas chaves. estas são de casa. é que eu sou tipo guarda prisional. chaves do carro, de casa, do escritório, da casa da minha avó... etc etc... um ensaio. do Sax, neste caso. um espelho. do meu quarto. a fachada da minha casa. desenhada por mim, há uns anos. a pastel. a minha íris. esta teve de ser repescada dos arquivos. o meu canto preferido do jardim. uma casinha que o meu pai construiu, primeiro para brincarmos às bonecas, depois para onde foram livros, candeeiros, almofadas e as minhas "pinturas". continua a luta campal lá em casa porque a minha mãe acha que aquilo é um óptimo armazém de coisas inúteis. luz. a minha preferida. de velas. um objecto. este é companheiro das mais puras e deliciosas batalhas da minha vida. ressalvo, no entanto, que sou (como diria o espanta-espíritos / estonteamento ), uma materialista sentiment

levo-me daqui

fecho os olhos. o tamborilar forte da água nas janelas, feito duche quente na pele fria, arrepiada. desliza depois no vidro com a suavidade do suor num corpo. um corpo... enroscado nu debaixo do edredon. os pés quentes, roçam um no outro, tique de preguiça. uma música ao fundo... jazz, talvez. letras, muitas. turbilhões de palavras. das páginas abertas de um livro o caminho para o lado encantado do edredon. percorrido com sossego. com o mesmo desprendimento guloso com que se estende o braço lânguidamente para abraçar com os dedos pequenos a caneca cor de laranja, fumegante, de chá aromático com uma casquinha de limão a flutuar. doce. quente. ... nestes dias de completa ressaca de trabalho intenso, em que a cada toque do telefone se espera uma nova cascata de nervos, num escritório vazio e inactivo empalidecido pelas luzes de cozinha forçosamente acesas, com o rádio acidentalmente sintonizado numa lamechice da Marginal, não existe nada melhor do que a santa negação...

viciada

roer as unhas. mas quando tenho as unhas apresentáveis, pinto-as quase todos os dias de cores diferentes, do vermelho escuro ao azul, passando pelo rosa discreto. doentio. franzir a testa. preocupação, interrogação, mimo. tudo é uma desculpa para vir a ficar encarquilhada aos 35. música. ter rádio ou um cd sempre a tocar. cantar por tudo e por nada no meio de tudo e de nada. a minha vida (e dos desgraçados à minha volta) é um estupor de um musical. fumar. cigarreiras. tenho uma que é o meu orgulho: tem uma pin-up. com cinzeiro de bolso a combinar. finíssimo... andar pelos blogs. os cheiros e sabores. lugares, pontos, momentos, toques em que me sinto em casa. as cores. mesmo que me apeteça vestir de preto, trago-as nas meias, na roupa interior, a mochila. brincar com os dedos numa madeixa de cabelo. pele. doces. dançar. mesmo que seja no meio da cozinha, sem música. fotografar. com máquina ou com palavras. e ficar danada porque não consigo mostrar o que vi. café. a bica da manhã, de pre

polegada #1

tlec tlec tlec um guião para entregar. não tenho dedos, não tenho músculos, não tenho horas de descanso. até às tantas da manhã, agarrada aos papelinhos manuscritos, ao teclado, ao rato. no trabalho, em casa. tlec tlec tlec boas vibrações chegam com a voz de David Fonseca. Come into my heart é bom para o sorriso cardio-vascular. quero o novo álbum para os meus anos, faz favor...

produtora à beira de um ataque de nervos

domingo 9:00 - acordar. vestir. pequeno almoço de torradas. cigarro antes de levantar o rabo da cadeira, com um "humpf, tem de ser". 9:45 - a caminho do escritório 10:00 - chegar ao escritório. ligar para todos os meninos mimados, para ter a certeza de que estão acordados. fazer sorrir:"serviço-não-perca-o-seu-avião, bom dia!" pensar: e eu que não tive quem me acordasse... 10:20 - a MP está atrasada, vou embrulhando o resto das coisas que faltam e tentar encafuar tudo nas malas que sobram. 10:25 - responder pacientemente ao 35º telefonema do patrão, e dizer que não, não estamos atrasados. ele continua em total histeria-coelho-da-alice-ótica, mas não agressiva. rir com ele e desligar. 10:35 - chega a MP. carregar os tubos de ferro de 20 kg, as 3 malas e os restantes itens escada abaixo. não cabe tudo no meu carro. o pai dela vai ter de nos seguir com o resto. 10:38 - última subida-descida, trancar escritório. 10:47 - ok, agora estamos atrasados. tenho de estar no aer

B

dela, à primeira impressão, temos um sorriso enorme do tamanho do mundo. mulher de armas, determinada, trabalhadora. voz alta e límpida. quando nos direcciona O olhar, saiam de baixo que vem lá água. não se deixa ficar, parece imparável, parece inquebrável. no entanto, deixa-nos entrar de surpresa no olhar doce, de lágrima fácil, no toque meigo das festinhas que dá sem olhar a quem. de ti trago as doçuras dos nossos primeiros passos, o parvo do NMH (que agora sozinho é um grupo). "às vezes a mentira da noite..." o nosso Pó de Palco, o enorme lençol no palco da Barraca, uns puffs onde aterramos para matar saudades, os risos entrecortados de conversas largas, as letras dos espessos guiões que nos passaram pelas mãos, juntas. "Sã' João é bem aventuraaaadoooo". de ti trago as madrugadas no teatro, os encontros naquele portão que tantas vezes nos abriste, as subidas ao escritório e os mailings intermináveis, os cortes de papel, entre cigarros, a bilheteira e a festa

outono

a passadas largas, recebeu o ar frio do fim de dia, húmido e cinzento. a calçada brilhava pelos candeeiros, criando faixas de sombra através dos jacarandás nus. o silvo dos carros no asfalto molhado. contrariou os passos depois de uma hesitação, e desceu. passou o jardim do miradouro com as folhas vermelhas a quebrar nos seus pés. passou o elevador sem parar, calcorreando o passeio estreito até chegar ao largo onde o rapaz vende eternamente as cautelas, na sua pose de mimo. continuou, passo rápido, encontrando o largo onde estivera de manhã. o do poeta. virou à esquerda. o velhote pedia sentado nas escadas da igreja. gente nova velha, ia e vinha de onde para onde. estacou e abriu um sorriso de leste a oeste. "é uma dúzia, por favor". na neblina espessa cheirosa apetitosa, aqueceu as mãos frias no pacotinho irregular de feito de finas páginas amarelas com moradas de gente anónima conhecida vivida onde qual o número. fixou os olhos nas brasas do assador e esperou sem pressa as

aleatoriamente

...passou-se a manhã sem telemóvel. esteve-se no trânsito hora e meia só para entrar em Lisboa, à beira de lágrimas de frustração. perdeu-se 2€ na cabine. foi-se para o Consulado do Brasil enjoar com o cheiro abafado de filas intermináveis em dia de chuva, regressou-se pela calçada escorregadia e enfiou-se o nariz e a paciência em formulários e fotos de tamanhos duvidosos, almoçou-se na secretária, de uma embalagem metalizada, e continuou-se em desespero à espera do telefonema que leva daqui os actores e os cenários de uma vez por todas, levando os problemas de 6 meses para dar lugar aos novos. quando as coisas acalmaram, na hora H, chegou o senhor realizador famoso com um novo guião e descrições de personagens em molhos de folhas A4 escrevinhadas, que residem agora nos meus dedos e dores lombares para terem bom aspecto rapidamente. ... agora, enquanto espero a hora de sair e continuar a busca do senhor das castanhas que me há-de trazer à boca e ao nariz a certeza do outono, vou esprai