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ficção para quê?

um homem vai levar a mulher ao trabalho. faz uma inversão de marcha, manobra de sempre, em consciência de que não infringe as regras de trânsito.

logo a seguir é interceptado por dois polícias que o acusam de manobra proibida. olhe que não, senhor guarda. mas eles insistem de tal forma, e o homem, que não é de ferro e acha que tem razão e que estamos em democracia - somos inocentes até prova em contrário -, acaba por pedir para os guardas se identificarem, para ele poder apontar nomes e números de distintivos. os polícias, em gestos vagos, para não dizerem que não se identificaram, passeiam os distintivos de maneira que não se leia nada.

mas aquilo não cai bem e resolvem que o homem está a desautorizar a autoridade. chamam reforços, imobilizam o homem à bruta, algemam-no e ainda dão um encontrão à mulher. que por acaso está grávida. de 7 meses.

ela começa a pedir aos transeuntes que, já que estão a molhar o pão no sangue, deponham como testemunhas do abuso. todos baixam as cabeças e tiram as mãos do molho. seguem para as suas vidas com mais uma história para contar à hora do telejornal, - "nem imaginas o que vi, maria".

enquanto isso, os polícias atiram com o homem para uma carrinha fechada e vão de sirenes ligadas e a alta velocidade para uma esquadra que não é a mais próxima. quando ele diz que as algemas o magoam ou que está a ficar mal disposto com a condução "de emergência", chamam-no menina.

largam-no numa cela, diante do cartaz que enumera os direitos do recluso. ele pede um, poder ligar ao advogado. não deixam, agora esperas, ó menina. já estás de bitola baixa, é? agora já não te safas, ó menina. ficam ali perto, em azafamada reunião, de volta de papéis. o homem apercebe-se que os senhores realizaram [só] agora que afinal o homem não infringiu mesmo regra de trânsito nenhuma. não vão pedir desculpa, têm é de desculpar o facto de ele estar agora ali, encarcerado. portanto, estão a tentar dar a volta aos depoimentos que têm de redigir.

só depois de assinar o papel é que o deixam telefonar. não lê, assina, ó menina. o homem ainda se consegue aperceber que suprimiram a parte da suposta infracção, e que ele pediu a identificação dos guardas. mas assina, para poder telefonar, para ouvir um "não assines nada". demasiado tarde.

depois ainda é transportado para um sítio que não lhe dizem bem o que é. só sabe que vai falar com um juiz. no dia seguinte. passa, portanto, a noite numa cela, à espera. a ouvir uivar um drogado em ressaca. no dia seguinte, consegue saber, por um guarda de outro turno, que a "marcha de emergência", as sirenes, as algemas, não é costumeiro. depois de ser "ouvido" - o papel está assinado, não é -, é libertado com termo de identidade e residência. aguarda julgamento, acusado de desrespeito à autoridade e resistência à ordem de prisão. tem os pulsos marcados e os olhos enevoam-se, algures entre a fúria, a vergonha e a impotência, quando conta tudo isto.

o homem é meu irmão.

Comentários

MPR disse…
Tem mais é que baixar a bolinha. Mas qual quê? O policia é a autoridade, é a lei, é mais que a lei. É o refugio de um conjunto de bandalhos rufiões que usam o poder que lhes foi instituido para suprimirem as carência e se afirmarem como verdadeiros machos. Não generalizo, não são todos, mas que os há aos pontapés e a merecer um molho de pontapés, lá isso há!
polegar disse…
em todos os contactos que tive com a polícia, mesmo quando me apanharam em contravenção, de telemóvel em riste enquanto conduzia, nunca tive razão de queixa. foram sempre simpáticos e solícitos.

mas isto é... revoltante.
elisa disse…
nem quero acreditar que isto aconteceu...que revoltante mesmo!!!!
Será que não se pode fazer nada contra o excesso de zelo (doce eufemismo...) destes polícias?
polegar disse…
elisa, agora tanto a minha cunhada como o meu irmão vão meter processos. ela porque foi abalroada apesar de estar grávida (e tem uma fraca figurinha, a moça agora é só barriga). mas não tem testemunhas, não é?
no que toca ao meu irmão, como ninguém quis testemunhar e assinou a tal declaração forjada para ter direito ao telefonema, pouco tem mais do que os pulsos negros para provar que foi maltratado.
colher de chá disse…
epa que situação, que mundo é este!!! nem há comentários a fazer.
AnaBond disse…
os polícias revoltam, mas o que me dá mais a volta ao estômago é mesmo as pessoas que baixaram a cabeça e sairam.... isso é que é revoltante...

incrível.
Anónimo disse…
e dizemos nós que vivemos num pais civilizado???!!!

Um beijo Grande como tentativa de aliviar a revolta!

B.
L.G. disse…
:-s A isso chama-se abuso de autoridade. É mais frequente do que se pensa. Não devia!
n'sample disse…
que tristeza. a questão dos agentes da polícia, mas também a das pessoas, possíveis testemunhas, que se descartam de qualquer responsabilidade. triste. :(

beijinhos*

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