Avançar para o conteúdo principal

d'O Método

fui ver um ensaio, daqueles tipo treino à porta fechada mas para gente da arte. subiu-me até certo ponto a expectativa porque eram pesos pesados a trabalhar, com um peso pesado a dirigir, com uma técnica supostamente peso pesado.

foi pesado de digerir. não no sentido de um texto forte com interpretações marcantes e encenação de choque. foi pesado de digerir como aqueles almoços de cozido à portuguesa desenxabido que nem sabem bem e ficam a trabalhar no estômago o dia todo. foi pesado de digerir porque foi... uma seca. compriiido, com má encenação, atabalhoada e com cortes injustificados longuíssimos, actores em overacting constantemente, sem um estudo dramatúrgico do texto feito como deve ser, que se notava nas variações de personalidade completamente desenquadradas... uma contra-regra que fazia trabalho desnecessário se os actores se dessem ao sacrifício de mexer uma cadeira e trazerem na mão os adereços, um texto que podia ser forte se não fosse tudo o resto ser mau ao ponto de nos desviarmos do elemento principal [a história, sim, a história, bolas!]... podia continuar com críticas até ao inferno congelar...

adiante. intervalo. [a reacção foi mais "intervalo?! não acabou?! dasss!"] fuma-se um cigarro e aparecem colegas de amigos. ouvem-me comentar e arrebitam a orelha. ia eu na parte de "mas o actor está com uns tiques de homossexual que não se percebem, não encaixa, pá". [um àparte para contextualizar e não parecer que sou homofóbica: ele há homens homossexuais em que se notam os tiques efeminados e outros em que não se nota. é um facto, pronto.] ora o moço mais arrebitado padecia, sem qualquer dúvida, dos mesmos tiques. interveio:
- desculpa, não percebi.
[devia estar à espera que eu me encolhesse, mas eu e a minha bocarra]
- os tiques efeminados do actor não encaixam na personagem. tudo bem que um tipo com este background pode ter problemas sexuais mal resolvidos, mas o homem está em overacting e ali não bate certo.
- não deves ter percebido bem o contexto da criação da personagem. conheces O Método?
[com maiúsculas. claro]
- conheço, obviamente. sou actriz...[interrompeu-me no "vai para 9 anos"]
- é que eu sou aluno dele há 3 anos e claro que ele, como todo o elenco, estão a utilizar O Método para a concepção das personagens e se calhar não percebeste isso.
- eu não tenho que perceber que raio de ferramentas ou técnicas - de renome ou não - eles utilizam para fazer a peça. a técnica, como o actor tem de ser fluída, transparente. só tenho de ver ali a história e a personagem.
o moço lá continuou na sua babada análise d'O Método, e chocou-me a sua incapacidade de ter um juízo crítico para com a peça e muito menos para com o seu mentor. eu ignorei, sorri e acabei por, para não me chatear com estranhos, falar do "opiniões diferentes é que é giro, a arte é mesmo assim".

como explicar? para mim, e para muita gente que não tem de ser formada - chama-se público -, o método - seja ele qual for - é um meio e não um fim. é uma forma/fórmula que se usa para se conseguir contar a história. não é ele em si que vou ver numa peça. para isso tenho aulas. aí sim, cabem os exercícios e as perdas de controle descontextualizadas.

recorrer-se a uma bagagem emocional, a situações e emoções próprias para utilizar em determinado momento para a personagem? check. o que/quando/como se usa é com o actor.

o que se vê? uma interpretação extraordinária, consistente, forte, contextualizada.
o que não quero saber: se fez respirações e "mhmmmms", se imaginou uma luz verde a entrar-lhe no peito, ou se se vizualizou com um ataque de hemorróidas e o respectivo cocózinho encravado para chegar ao momento de sofrimento e lágrimas.

seitas? facciosismos? falta de critérios? get a grip.
Palavra d'O Método
graças a Stanislavski.

adenda: esta situação passou-se num ensaio que não do espectáculo que estou a produzir...

Comentários

Anónimo disse…
O Método visto no palco é um erro.
esqueceram-se de contar a história.
pena...
o texto merecia.
não merecia algumas interpretações e especialmente aquela encenação cheia de blackouts e afins...
assim é o teatro português, cheio de egos e de palmadas nas costas.
Anónimo disse…
Infiel, INFIEL! Indigna de... O Método, de apreciar... O Método... de respirar... O Método, de sequer presenciar... O Método... É que no meio disto há que lembrar assim uns gajos que usavam MESMO... O Método, mas sem falar disso, sem se babarem, sem acharem que tudo o resto era lixo... uns Hoffmans e Pacinos, uns Brandos e DeNiros e mais muito mais. A ideia é o realismo no teatro, no cinema, nas artes performativas, mas usar... O Método não significa resultados garantidos, aliás nem existe Um Único Método (blasfémia, blasfémia), o do Stanislavsky até era O Sistema, e d'O Actor's Studio sairam alunos e professores a defender diversas correntes.
O problema são as palas nos olhos, os egos e a incapacidade de fazer ou aceitar uma análise crítica e pior, achar que quem crítica é incapaz ou imbecil...
Anónimo disse…
Não sendo atriz, não sei o que é este Método mas acho uma pena que gente jovem padeça de falta de espírito crítico. A verdade é que é difícil sair das nossas zonas de conforto!
Beijinhos:)!
Anónimo disse…
espanta: ah pois...
MPR: inspira expira... vê a luz branca em volta do teu peito... vizualiza-te num sítio só teu... uma praia, por exemplo... :P :P

elisa: é em linhas muito gerais uma técnica para puxar emoção, recorrendo às tuas próprias memórias. é bom para o teatro realista e para o cinema (que tem planos muito em cima da cara da pessoa e não dá para levar a mão à testa eheh). são uns tristes estes fundamentalistas... ainda me vêm dizer q a classe artística é liberal e tolerante. só se for liberal no que toca às drogas e tolerante de grandes doses de estupefacientes ;))
Anónimo disse…
métodos.....
Anónimo disse…
é assim que depois surgem certas e determinadas peças que são maravilhosas e se tornam secantas, focam-se tanto no método que depois se esquecem das emoções...
Anónimo disse…
E acabei por aprender mais umas coisas...

Interessante sim senhora.

Mensagens populares deste blogue

take me away

uma música triste de Silence 4, uma balada doce de Lifehouse... o estado de espírito desta quarta feira. vou-me embora. por alguns dias, vou-me alhear do mundo. desta vez a redoma é minha. pegar no carro e ir. fazer-me à estrada. com destino marcado a vermelho no mapa, para uma despedida em grande. depois, logo se vê. vou poder descansar. a cabeça [das ansiedades], a máquina [que anda outra vez aos saltos], o corpo [fraco e dorido]. mas acima de tudo, vou poder ser. sorrir quando realmente me apetecer. chorar se e quando me apetecer. vai ser um fim de semana prolongado de apetecimentos.

q.b. de q.i.

como é sabido, neste centro de escritórios funciona também uma das maiores agências de castings do país. há enchentes, vagas de gente daquela que nos consegue fazer sentir mais baixos e mais gordos do que o nosso próprio e sádico espelho. outras enchentes há de criancinhas imberbes que nos atropelam no corredor de folha com número na mão. as mães a gritarem hall fora "não te mexas que enrugas a roupinha" ou "deixa-me dar-te um jeitinho no cabelo ptui ptui já está"... e saem e entram e sentam-se e entreolham-se naquele ar altivo as meninas muito compridas e muito fininhas, do alto ainda mais alto dos seus tacões e com a mini-saia pendurada no osso da anca, que o meu patrão já diz "deixem passar dois anos que elas começam a vir nuas aos castings... pouco falta... têm é de vir de saltos altos... isso é que já não descolam dos pés!" bom, nesses dias aceder à casa de banho é um inferno. é que elas enfiam-se lá dentro nos seus exercícios de concentração preferid

o duende feliz

não, não é nenhum post acerca do nosso amigo linkado aqui ao lado, esse mestre dos contos e das fantasias... se bem que merecia... é que recebi uma prendinha de Natal e pude voltar às dobragens... algures nesta quadra [ergh, detesto esta palavra] passará na TVI o filme de animação "O Duende Feliz", ou "The Happy Elf". a Molly sou eu. [não tem que enganar é a miúda cuja primeira cena se passa a apedrejar o dito Duende, o Eubie... eheheheh] e também sou eu [kind of] que abro o filme, com a Irmã... esta não tem nome próprio, mas é a ela e ao irmão [que ela entretanto transformou em árvore de Natal à pancada] que se vai contar a história do Duende. sim, sim, calharam-me as miúdas reguilas e ainda por cima as duas dentro da mesma faixa etária... e agora fazer duas vozes distintas...? seria cantado pelo Harry Connick Jr. [essa maravilhosa voz que me persegue com a banda sonora de When Harry Met Sally] mas agora deve ser o Quim Bé a cantar... também não está mal... tu, jov