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road hogs

há vários espíritos para pegar numa mota. não falo hoje de quem tem uma para andar a fazer slalom entre os carros a uma velocidade estonteante, capazes de fazer corar qualquer "mercedeiro". também não falo de quem faz 300 metros por dia [casa - trabalho - trabalho - casa] só para dizer que tem uma vespa. nem dos senhores que se passeiam nos seus aspiradores de escapes rotos sem outro objectivo na vida que não pôr-nos a todos surdos.

falo hoje da simples e arrebatada paixão pela mota. uma paixão que se comprova pela via sacra que é, de facto, fazer longos percursos num veículo de duas rodas. quem anda nestes bichos tem prazeres que facilmente nos escapam quando vamos no casulo metálico. os cheiros, as cores, as paisagens, o próprio ângulo de visão, as texturas do vento são coisas de cuja intensidade não temos bem noção nos carros, mesmo com as janelas escancaradas.
no entanto, quando falei em via sacra, quero mesmo dizer que andar de mota em percursos longos é uma tortura, na maior parte das vezes totalmente incompreendida. são pequenos detalhes que normalmente passam despercebidos e para os quais peço a vossa atenção da próxima vez que andarem por aí.

os motards geralmente vestem-se com roupa quente e rija. abafam-se em capacetes, luvas e sapatos fechados, mesmo no verão. porquê? não só pela vã tentativa de evitar danos maiores numa colisão, nem pelo vento que arrefece e soca o corpo, mas também... lembram-se, da última vez que foram passear, dos bichinhos e pedras cravados no vidro? imaginem o que custa quando eles se auto-tatuam num corpo desprotegido. daí o "suar para não esburacar".

os motards não levam bagagem, levam um par de cuecas, uma bucha e a escova de dentes. excepto naquelas motonas de estrada que são autênticas casas com poltrona, cómoda, rádio e que tiram bicas e assim, claro. por isso, já temos aqui a explicação das barbas compridas e os lenços na cabeça.

se repararem, nas estações de serviço há sempre uns quantos. em todas. passo a explicar: não é fisicamente possível aguentar mais de 100 km seguidos numa mota [excepto nas tais poltronas com rodas, mas isso é batota]. uma viagem de 3 horas pode demorar 5. numa mota não se muda de posição, aguenta-se. numa mota não se pode pôr os pés no tablier. quer dizer, até pode, mas morremos. numa mota, qualquer remendo na estrada entra pelo cóccix e só pára no capacete. e neste país os motards pagam portagens para serem constantemente... estimulados. numa mota, em dia de ventania, se se quiser mexer a cabeça pode-se ter a certeza de que o pescoço será partido em 5 sítios diferentes. hão-de reparar que quando eles saem de cima das motas, parece que congelaram na posição sentada. não é para mostrarem que têm um pesado equipamento genital ou rabinhos torneados, é porque não se conseguem mexer.

e depois há os outros. a eterna falta de [in]formação de quem conduz os carros e não se lembra que uma mota é um veículo como outro qualquer e tem direito ao seu espaço na faixa de rodagem. não. se uma mota não anda aos ziguezagues entre os carros, se por acaso o seu condutor quer ir a uma velocidade de cruzeiro dentro da lei e manter-se calmamente na sua faixa, é certo e sabido que haverão razias dos popós, porque querem continuar a andar a 220 km/h e vem aí um gajo atrás que dá 250. é o "sai da frente, ó minorca. chega para lá que tu cabes na berma". deixem que vos explique uma coisa: já se vai a lutar contra a natural velocidade e o vento que vem ora de um lado, ora de outro, ora de frente, ora de trás, a tentar manter o estupor do bicho de duas rodas direito e o pescoço e os ombros num sofrimento sofrível. uma razia de um carro não dá muito jeito. porque causa mais deslocação de ar. e a mota abana por todos os lados. na pior das hipóteses, uma pessoa até tem de se desviar de repente. isso desequilibra. muito. e entre o "minorca" e o alcatrão há apenas ar. por isso, se não pelo código da estrada ou por civismo, por piedade, mantenham-se à distância de segurança.

da próxima vez que forem passear, descubram os pequenos pormenores. reparem que eles se cumprimentam, independentemente das marcas e valores comerciais das viaturas. é uma seita secreta... que sabe o prazer da estrada e a dor de usufruí-la. respeite-se, há malucos para tudo.

quando virem o próximo típico gordo barbudo, reparem no ar satisfeito que leva, apesar de a máquina ir apenas a 100 à hora e estar coberto de roupa em dia pleno de sol. agora já sabem o segredo. o sorriso é um esgar. está a implorar secretamente que venha uma pedra a voar directa à rótula para se esquecer, por momentos, da dor nos quartos traseiros.

Comentários

espantaespiritos disse…
o prazer de andar de mota tem muito pouco de lógico.
mas é tipo "bicho do palco", quando morde, infecta e não sai mais (e acho que tu já foste picada...).
eu sou um "motodependente", e por isso sou suspeito ao dizer que por muito que custe, não há viagem como uma viagem de mota.
nem que seja pela cara de "horror e incompreensão" dos amigos que se encontram no fim da viagem ou das pessoas que nos rodeiam no dia a dia.
eu pelo menos acho graça... LOLOL
Unknown disse…
Como sabem eu também acho muita piada!
Mas Polegar tens toda a razão em todos os prós e em todos os contras, mas é realmente como o "bicho do palco": quem corre por gosto, não cansa!

Ai, que saudades...de um e de outro!

Beijos Grandes, B.
elisa disse…
Adorei o texto:) Nunca fiz nenhuma viagem de mota, por isso não sei qual a sensação....bom, para dizer a dizer, não fiquei com muita vontade lol mas quem sabe um dia...
Beijinhos
MPR disse…
Viva os motards! Eu apoio! Eu devia ser o único gajo em Lisboa com carro! :P
intruso disse…
motards ao poder!!!

:)))
polegar disse…
espanta: ainda se riem muito à nossa custa, especialmente os "artistas" de cu tremido do bairro alto ;))

B.: podes ter a certeza eheheh

elisa: a viagem só se torna dolorosa passados uns quilómetros valentes. se fores fazer um passeio simpático numa tarde de verão, vais ver que não sentirás nenhum dos sintomas q aqui mostro. só o prazer do ventinho na cara. e depois vais querer mais... LOL

mpr: e não quer mais nada, mr. EGO? :P

intruso: hummm... já tivemos um na câmara de Lisboa e olha o que deu! LOL
AnaBond disse…
aahahhahahah
desculpa, só me consegui rir com o final.

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