Avançar para o conteúdo principal

ensaios

vai-se chegando.
muitos depois de dias inteiros de trabalho.
cansados, olheirentos.
pede-se ajuda aos colegas para afinar o texto.
ajuda-se a mandar os faxes que faltam, atendem-se telefones, tiram-se bicas para quem cá está há muito tempo.
dá-se uma mão na serralharia para acabar aquele pedaço de cenário.
passa-se roupa a ferro, cose-se botões, enquanto a estagiária de moda nos faz ficar bonitos, com desenhos, trapos, cores e luz.
experimenta-se os fatos, com as calças vestidas porque está frio.



depois aquece-se o corpo dançando, rindo, comendo qualquer coisa enquanto o encenador, que chegou invariavelmente atrasado, bebe o seu café na entrada.

quando ele se decide, vamos lá ensaiar.



quem vem ver, vê, só naquele dia, o trabalho final.
não sabe o que está por detrás dos fatos compostos, das caras pintadas, dos cabelos arranjados, dos gestos trabalhados, das vozes emocionadas.
estão horas, dias, meses. corpos e almas. muito choro, muita frustração, muitos gritos e discussões. muito sono perdido, muita sensação de falhanço. é uma história cheia de gente.
[fotos de ms]

Comentários

polegar disse…
É maravilhoso poder partilhar. Acima sde tudo, se não tivermos a quem contar a história, para quê fazê-la e suá-la...?
Beijos

Mensagens populares deste blogue

sabes quando te revisitas e já não te encontras? não sabes o que fazer de ti contigo. as perdas têm sido valentes, as estocadas mais fundas. pensei que por agora a pele estivesse mais grossa, mas não. pensei que estivesse de pés assentes, mas há força nas pernas. perdi o meu pai. perdi o meu chão. espero por uma fase boa. em que esteja tudo bem, organizado. nem que venha depois outra ventania, mas um pedaço de vida em que tudo esteja no seu lugar. só por um bocadinho. mas não. as peças estão espalhadas, quando começo a arrumar umas, caem ao chão as do outro canto da vida. um empilhar de pratos num tabuleiro demasiado cheio, que não se tem oportunidade de ir despejar à cozinha. até as metáforas me saem avariadas, já. tabuleiros de cozinha é o que me sobra. isto são metáforas, certo? é um padrão, o padrão caótico da minha vida, que tento desenhar em palavras que já não tenho. quero despejar-me aqui mas não sei bem como. os medos continuam, sabias? estão piores, diria, porque...

q.b. de q.i.

como é sabido, neste centro de escritórios funciona também uma das maiores agências de castings do país. há enchentes, vagas de gente daquela que nos consegue fazer sentir mais baixos e mais gordos do que o nosso próprio e sádico espelho. outras enchentes há de criancinhas imberbes que nos atropelam no corredor de folha com número na mão. as mães a gritarem hall fora "não te mexas que enrugas a roupinha" ou "deixa-me dar-te um jeitinho no cabelo ptui ptui já está"... e saem e entram e sentam-se e entreolham-se naquele ar altivo as meninas muito compridas e muito fininhas, do alto ainda mais alto dos seus tacões e com a mini-saia pendurada no osso da anca, que o meu patrão já diz "deixem passar dois anos que elas começam a vir nuas aos castings... pouco falta... têm é de vir de saltos altos... isso é que já não descolam dos pés!" bom, nesses dias aceder à casa de banho é um inferno. é que elas enfiam-se lá dentro nos seus exercícios de concentração preferid...

there goes my hero. 1 ano

Pergunto-me o que acharias acerca desta demência toda, desta distopia rocambolesca mas ainda assim não suficientemente diferente do “normal”. Deste bailado em corda bamba da auto-idolatria com os gestos incrivelmente abandonados de ego. Desta atrapalhação profundamente honesta e refinada que se aprende fazendo e se desfaz em ilusões como uma teia fininha. Deste viver no presente forçado, fincados no agora até à dor no pescoço porque agora é que não sabemos mesmo o que vem depois de amanhã.  Provavelmente discutimos aces amente sobre uma merda política qualquer que não controlamos, para a seguir nos estarmos a rir cúmplicemente de qualquer coisa pouco apropriada. Cheira a grelhados, que o vizinho tem quintal, e aí a coisa custa mais. Esse peso bom da mão inteira na cabeça que me guardava a inquietude faz falta. Distopia é não estares aqui. O resto aguenta-se com um cravo ao peito. Contigo cravado no peito.