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23.07

praia não vigiada.
é proibido nadar.
correntes fortes.

não farei juízos de valores.

quando cheguei, improvisava-se uma corda, passavam polícias de calções e capacete de bicicleta, correndo na areia escaldante.

eram seis. estavam acampados na praia.
dois, agora, tremiam juntos, sentados nas rochas. outro, mais acima, de cabeça enterrada nas mãos, olhava o azul como se fosse negro e nada. outro, ainda, jazia inconsciente, deitado de lado, com o quinto elemento a tentar aquecê-lo, engolindo as lágrimas.

por entre um aglomerado de rochas, descobri que os anjos, às vezes, não são transparentes, não têm asas.
vestem fardas azuis ou vermelhas ou brancas.
e, incansáveis, de corpos esfolados, carne rasgada pela inconsciência dos outros, inconsciência de si, suores frios, de olhares impenetráveis, tentam soprar vida num corpo inerte, gelado, pescado de entre as pedras fundas e as ondas batidas. fazem das suas mãos coração forte e pujante, bomba de impulso que acorde (por favor) aqueles braços caídos, aqueles olhos perdidos.
e a outro prometem uma cerveja ao fim do dia, como se o pescoço entalado em amparos de plástico nada significasse, enquanto carregam as macas falésia acima.

Comentários

Bolas!, não me digas que assististe a essa cena. Brutal...
Não sei se serão anjos. Já é tão bom que sejam humanos, tão tão humanos...
Beijinhos!
Anónimo disse…
sim, assisti, infelizmente, impotente.
e é bom que estejam por cá, sim. um parêntesis ao rótulo de sacanas que a força policial costuma ter. como eu digo sempre, há gente boa em todo o lado...
maresia disse…
a bebé envolta em azul sereno tem quase mais uma polegada desde que nasceu...
maresia disse…
uma vez (e não tem nada a ver com esta história em concreto), tinha 15 ou 16 anos, pois não sei de onde veio, mas veio até ao meu barco, um saco de cor azulada. era um corpo, parecia ter calças, mas era só a pele das pernas que tinha começado a descolar. os olhos estavam vazos, percebi, nessa altura, que o saber do velho do mar é mesmo um saber, sempre me tinham dito que o polvo come os olhos de um afogado. polvo ou não, alguém os vazou. foi o morto mais morto que eu já vi e teve de ficar agarrado a tarde toda à pôpa do barco dos pilotos, parece que não se trazem mortos para terra em tempo de gente ainda no cais. desculpa, mas veio-me esta imagem à memória, as calças e os olhos. depois, ao pôr-do-sol foi levado, num saco preto, como os dos filmes.
André Parente disse…
Ja vivi muitos salvamentos de perto... Arrisco dizer que os principais (ir)responsaveis aos mesmo as vitimas.
polegar disse…
facto. o problema é que nem sempre se ficam pelo susto e a estupidez causa vítimas. é um caso sério, porque por vezes o susto é suficiente... quando suficiente seria seguir indicações tão simples como "não nadar"... é triste. muito.

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