... something borrowed, something blue
and a silver sixpence in your shoe...
quando era miúda, e, devo confessar, até muito tarde, queria ser princesa por um dia. queria casar-me como manda a regra e os filmes românticos todos. ia desenhar o meu vestido, escolher as flores, ter uma banda a tocar a minha banda sonora, fazer um passeio a cavalo na praia para as fotos, e o meu marido ia chorar desalmadamente quando me visse entrar na igreja.
depois apercebi-me que sou agnóstica.
depois comecei realmente a ir casamentos.
e a fazer uma lista do que não queria no meu.
começou com a lista das pessoas que se "tem de convidar":
> as tias-avós gordas de blusas às flores, que riem histéricas e choram feitas carpideiras, falam mal de toda a gente presente num raio de 2km, borram a maquilhagem da noiva com beijos pegajosos e andam atrás dos putos pequenos todos para lhes fazer o mesmo.
> os putos pequenos, demónios birrentos de laçarotes foleiros que fazem fita em frente ao carrinho dos doces e não páram de correr durante a cerimónia, que se quer uma coisa bonita, poética, não é?
> os tios bêbados da terrinha que batem nos pratos e nos copos, quando chamam os empregados dizem "Ói!", mandam bocas porcas aos noivos, aos pais dos noivos, aos padrinhos dos noivos, falam alto, quase andam à porrada por causa do Benfica, quando não saem a meio para ver a bola.
> as amigas desesperadas que afinal não são lá muito amigas, oferecem naperons e bonequinhos com corações, fazem-se aos solteiros e aos casados, e gritam, saltam, rebolam no chão de perna aberta, esgadanham-se todas só para apanhar o bouquet...
> as amigas que fumaram charros conosco e foram para os festivais acampar só com uma muda de cuecas e agora casaram com um advogado rico, vivem na Lapa, olham de lado para as tias-avós e demais inconvenientes, falam pelo nariz e peguntam puqué que escolheste este chef? s'eu sóbesse dava-to contácto do Julien, qué um crido. olha lá, essa tua mania de fazêzas coisas à tua manara dá buraco, crida, dvias tê lido as tendências de Nu Iórke primaro...
> os conhecidos que emprestaram um alguidar quando os nossos pais foram morar juntos e por isso, coitadinhos, gostam tanto dos noivos, só mais sete pessoas também não faz mal.
> o padrinho fascista que foi designado quando ainda não tinha nascido.
depois a lista dos eventos que "é costume":
> o carro da noiva. eu queria um jipe da tropa, e conduzi-lo eu. o normal é o mercedes, conduzido pelo pai preocupado. de preferência com uma almofadinha de cetim à vista.
> o itinerário maravilhoso da igreja à quintarola de tendas, de Peniche à Quinta do Conde, com os pedacinhos de tule a adejar ao vento nas antenas dos carros, o apitar, passandos pelas localidades.
> o pessoal a perder-se no caminho, o telemóvel do noivo, o único que está no croqui ininteligível, desligado, os carros parados na auto-estrada para fazerem a filinha-pirilau.
> por falar em pirilau: as despedidas de solteira com as épicas bandoletes de tule verde-florescente e os pirilaus, as prendas de algemas e restante equipamento "hot hot hot". e as despedidas de solteiro com as mamalhudas oleadas, o coma alcoólico do primo e o ataque de dúvidas que assola o noivo quando vê a stripper e ouve o padrinho dele sussurrar-lhe "vês no que te vais meter? depois acabou-se...."
> a cerimónia oficial, religiosa ou não. entre o "fica bem" e o "foleiro de todo" há uma linha muito ténue.
> as fotografias. matem a gaja de uma vez... com aqueles folhos todos, a derreter a base para cima do véu, tem de se posar antes de sair de casa, deitadinha na cama de solteira, em frente aos bibelots e a cristaleira da mãe e das medalhas do pai. depois umas 3 horas a morrer de fome num jardim com patinhos e os sapatos de salto a rasgarem os tornozelos e a encravar as unhas, e as tias e tios e outros que tais acima referidos, a sorrir feita boneca de cera, cachimónia ao sol, a levar com o véu na cara por causa do vento, de braço dado com o recém-marido, ex-mais-que-tudo, teso que nem um carapau e a desejar que ela não tivesse escolhido aquela gravata. a foto da liga com celulite, do ombro com triplo queixo, do bouquet, da criancinha ranhosa agarrada ao vestido (outrora) branco, do beija-mão no jardim bucólico, do olhar apaixonado através do espelho do mercedes...
> a banda. mesmo em casamentos de amigos jovens e modernos e hypes e tudo, a banda foi um choque. claro que se pode brincar com a coisa (já me aconteceu) e pôr a sala a dançar ao som do "morango do nordeste". mas é, no mínimo, desgastante. e humilhante para os desgraçados que organizaram aquilo...
> os convites. as aliançazinhas cruzadas? uma flor? um laço? "fulano de tal e sicrano de oliveira convidam v. exa. para a união dos espíritos entre beltrano e altrânia, que 'vão deixar a casa dos pais para se unirem no seu seio de amor eterno, abdicando da vida terrena para uma elevação das almas em uníssono' Gregório, Salmo XPTO.21"
passar o resto do mês a tirar grãos de arroz do cabelo e do soutien.
> os bifinhos com cogumelos, os filetes de peixe e o creme de marisco. o ananás esculpido em forma de tubarão.
> as cadeiras de plástico com as capas brancas e os laços às cores.
> as mesas com nomes de flores, de grupos mal distribuídos,juntando gente que afinal se zangou na terra e deviam ter ficado separados, e os solteiros que não se conhecem e ficaram todos ao molho numa só mesa, "a mesa dos solteiros", claro, para os marcar ainda mais.
> o não poder estar com os amigos porque se está na "Mesa dos Noivos" (aquela com o centro de mesa gigante cheio de ramagens e couves), com os pais, os padrinhos, e as velhas todas à volta.
> leiloar a liga... (sem comentários, não consigo, não consigo)
bem, é só uma amostra, hei-de lembrar-me de mais coisas...
parece que, no fim, a única coisa positiva é poder fazer-se lista de casamento e recheiam-nos a casa à pala, e ainda nos mandam durante 15 dias para as Canárias...
nota-se que o meu irmão, maná de gema, vai casar-se em breve...?
Comentários
São tão iguais os casamentos.
simplesmento do melhor que li ate hoje e olha que ainda foram uns poucos :) desde que aprendi a ler ( e nao vai ha mt tempo)
mt bom mesmo... parabens :)
http://bitaitadas.blogspot.com
Há anos q fiz uma jura: no caso de vir a contrair o matrimónio, não fazer absolutamente nada nem ver ninguém que não queira ver. Isso é ponto de honra.
Como a minha família, de há uns bons anos a esta parte, está na diáspora, não tenho grandes contingências familiares. Divídas, então, nem financeiras nem sentimentais.
As minhas amigas, se bem as conheço, fugiriam todas do bouquet... E por aí fora.
Mas compreendo a tua agonia.
Especialmente se vais ficar na mesa do noivo!
Beijinhos!
damon: sorte a tua eheheheh :P
edu: muito e muito obrigada. volta sempre :)
querida cass: como já tinha dito algures, adoro tipões, processem-me. eheheh. mas claro que se podem fazer coisas lindas. basta criatividade e quebrar as regras do "fica bem" - essas é que criam este tipo de matrimónios de badolete de pérolas e gente que não nos diz nada. respeito imenso quem queira fazê-lo, da maneira que achar mais bonito para si. desde que nisso encontre o sentido certo, um simbolismo quase secreto e a vontade de gritar ao mundo e aos que lhe são queridos "amo! e é para sempre sim senhor!" - além disso, fica mais barato no IRS eheheh
É a primeira vez que visito o teu cantinho e gostei bastante do "relatório" matrimonial. Em qualquer sítio do nosso Portugal, os casamentos são tão iguais que até arrepia!
beijinhos
beijinhos
Acho que te cheguei a dizer que há pouco tempo fui a uma comunhão de uma prima e estava a tentar decidir qual dos meus tios estava mais bebedo até que vi a feliz "comungada" de 12 anos de copo na mão a cambalear enquanto posava pra foto...
Agnosticismo sempre! E o Alentejo ainda há-de ser nosso outra vez!
t&v: eheheh, pode ser que te lembres do post na altura do "sim": a noiva, agora imaculada de flor de laranjeira, ontem com uma bandolete de pirilau... ;)
estranho: ai, as nossas tradições são das melhores. especialmente aquela parte dos batizados em que há uma fila enorme de putos e tem de se tirar a senha...