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dois teclados

um encontro imprevisto levou-nos ao desafio de partilhar um texto. eu sou amadora nisto, peço desde já desculpa. Nuno: escreves tão bem que não te consegues desperdiçar em palavras. um beijinho.

chá gelado

o saco está tão pesado como o meu vazio. o vazio arrasta-me os passos. não quero pensar. agora não. quero um chá gelado. mas não queria daqueles de lata. era mesmo um chá com açúcar saído do frigorífico num jarro qualquer. sento-me e entre os pares de cuecas e calções encontro o livro. peço um sumo de laranja e acendo um cigarro. a mulher que me atende é muito lenta. tudo se arrasta como os meus pés. doem-me os pés. tenho de seguir caminho. mas agora doem-me os pés.
P

o sumo de laranja sabe bem, mas a partida dói tanto como os pés, as partidas são sempre dolorosas como são todos os momentos que implicam uma separação de alguém. fecho os olhos e tento esquecer tudo o que me leva a fugir, não consigo. tento fugir ao pensamentos com o livro, abro na página marcada mas as palavras não passam de uma confusão de letras. está quase na hora da partida e recordo as tardes amarelas no jardim do príncipe real.
N

olho essas tardes de longe mas o sol ainda me acarinha a pele, o vento ainda me enrola o cabelo nos dedos de ar. os beijos são sempre mais reais quando na barriga ainda saltam as borboletas. está tudo queimado. o jardim, quero dizer. alguém numa noite quente de embriaguês adormeceu e deixou cair um cigarro que queimou tudo. se calhar é melhor assim. mas o castelo ainda se vê. os velhos ainda lá andam, os putos ainda jogam futebol. o elevador ainda sobe e desce. as mãos... ainda me tocam... vou ter de apanhar aquele elevador. sempre gostei daquela rua. mas esta será a última vez que a desço. quando tiver forças para me levantar. preciso de um beijo.
P

sim, um beijo. um beijo que desliza e voa sozinho e acaba por pousar no pescoço. a pele morena é mais doce nas tardes quentes de verão e queria permanecer abrigada do resto da vida nesta almofada. ainda agora nos conhecemos, digo-te. as mãos sentem a ternura da pele e o fim de tarde insinua-se sobre nós. não quero descer o elevador, quero ficar aqui muito tempo até a chuva voltar. lá fora a cidade arde selvagem e eu preciso de um chá gelado.
N

será que o chá me ia saber tão doce como os teus lábios? como os lábios de seda e vinho tinto que me aqueciam e queimavam em prazeres tão lentos que dóia saber que tinham de acabar? onde estás? vens-me buscar? vem, eu deixo tudo, deixo a mala aqui, o livro em cima da mesa e o sumo por pagar. deixo-me aqui para fugir contigo. não posso. demoras demais. ainda queres a minha pele? como querias como um tesouro terno a tocar com a ponta dos dedos, a possuir com os braços todos do mundo? estou tonta. é do calor. estão a olhar para mim. sinto-o na nuca.
P

é possível ser-se feliz numa noite de nevoeiro? estes olhos que me vigiam como câmaras dizem-me que é hora de fugir. tu não vens, há ali uma cerejeira que me sorri. decidida, levanto-me, saio, mergulho na lava do desconhecido. não olho para trás porque o passado é demasiado pesado para uma menina frágil com uma saia às cores.
N

pego na mala. não quero saber. largo as moedas em cima da mesa. não quero saber. meto o livro no saco. não quero saber. levanto-me. não quero saber. estou a chorar. convulsivamente. não quero saber. caí no chão. não quero saber. sabe-me a sal. o sal do teu corpo suado, de tempos em que o calor era uma desculpa para nos colarmos como o frio, que purgo nos meus olhos. os meus olhos que te eram tão fascinantese amoráveis como o mundo de elfos e folhas verdes onde vivíamos. não quero saber. agarram-me o braço. não quero saber.
P

um arrepio na pele. que fazes aqui? é demasiado tarde, deves estar enganado, já te tinha riscado do meu caderno preto, não podes aparecer do nada para me levares toda outra vez. que lábios são esses que me prendem? eu não quero, estou colada a ti mas não quero, a minha pele grita pelo teu calor mas eu não quero, dissolvo o meu corpo no teu mas não quero, não quero saber, hão-de haver noites escuras em que o manto de estrelas nos diga no meio do silêncio de que cor é a perfeição mas hoje o tempo é demasiado imperfeito, não quero saber, desculpa a lamechice, sempre gostei de finais felizes.
N

Comentários

Anónimo disse…
o Nuno (o outro ;) ajuda muito. expressa-se de tal modo que as minhas partes nem parecem muito más...
Um emocionante lento crescendo neste dueto onde só conheço uma das partes (vou já tratar de colmatar esta ignorância...).
Adorei. Por isso brado: repitam!
Beijos
bg disse…
queria tb duelar duetar com vc
um dia faco um e te mando
dividir alguma coisa com vc
me parece uma maneira de dividir
mesmo eu
beijo

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