de sandocha de leitão no bucho e o bilhete orgulhosamente seguro na mão, entro no coliseu.
fiquei a uma fila do palco. chão, paredes, tudo branco. uma panóplia de guitarras e outras derivadas, bateria, um piano lindíssimo, um órgão descomunal lá ao fundo, microfones à boca de cena, colunas tapadas com pano branco, amplificadores parecia que saídos dos anos 50, e uma maravilhosa caixinha estranha de madeira que já vi nas mãos do David Fonseca noutras ocasiões. tive tempo para absorver os pormenores que me circundavam porque cheguei cedo. nunca estive tão perto dos artistas e delirei só de pensar que ia poder ver cada expressão, cada tique, cada olhar cúmplice que sei que acontece em palco, qualquer que seja o contexto. já calculava que a única desvantagem seria não poder levantar-me aos saltos... coliseu é assim.
de repente olho para trás e no lugar das cadeiras estava quem as pintou de vermelho no site da ticketline. um mar de gente, tão diferente como velhotas que gostam do Camané, pessoal de meia idade que não ligava ao Variações mas que achava piada ao "Maria Albertina", malta novinha que nem sabia quem era o Variações antes do disco, pessoas como o meu pai - geração António, que o ouviram e admiraram a sua genialidade apesar dos tempos - e gente como eu, que cresceu com o pai a ouvir os LPs, e gostava de Clã e David Fonseca... ou não, mas gostou do disco.
conhecendo a sua música, sei que respeitando-o deram novas vozes e adaptações, arranjos e um toque deste século que o quis, finalmente, abraçar. não se limitaram mas não imitariam. já sabia que não tinham convidado músicos externos ao projecto, que se iam revezar entre os mil instrumentos, que inseririam músicas contemporâneas e provavelmente influências de António Variações. mas não sabia nada e esperei de alma aberta... até te escutar
entraram os músicos, uma das 4 componentes da alma de Variações. eram eles a representação das melodias que ecoariam na sua cabeça ao compôr. branco era a cor de eleição das roupas. depois as 3 vozes, 3 outras partes de António. a sensualidade e infantilidade feminina de Manuela, a loucura e desespero de David e as raízes bem portuguesas de Camané.
começou com um hino a António.
depois seguiu. sem desafinar, sem falhar, sempre a brincar. com a música, com o público, entre eles. em músicos normalmente depressivos encontrava-se uma expressão leve, sorrisos e gargalhadas. o prazer de tocar. a alma de António. aquele homem que nos seus concertos se isolava na roulotte porque ninguém queria conviver com ele, que sofreu na pele a incompreensão da sua pessoa, da sua música, da sua poesia, aqui era livre. para a época era um génio - outcast mas um génio. porque fazia música à frente de si e dos que o rodeavam. hoje seria mais um.
mas foi resguardado, numa caixa de cassetes. até que voltou em forma de novos sons, que, sem dúvida o honrariam e horaram as suas palavras.
escusado será dizer que o rabo não resistiu pregado à cadeira com as batidas irreverentes de músicas como Maria Albertina, Muda de Vida, A Teia, na Lama, Não me Consumas... o público estava louco, inclusive as velhotas arranjadas de laca da zona da orquestra.
em Gelado de Verão vi um rapaz aproximar-se da rapariga que o acompanhava e sussurrar-lhe qualquer coisa ao ouvido que a fez lançar-se-lhe aos braços e de sorriso emocionado dizer que sim com a cabeça. fez-me sentir como é bom testemunhar coisas raras, momentos únicos, mesmo que no anonimato, e saber que a paz e as coisas bonitas nos rodeiam sob as mais diferentes formas. espero que vivam um amor de conserva...
chorei muito quando a minha avó me veio beijar pela Manuela Azevedo em Anjo da Guarda.
saltei em fúria louca com O Corpo é que Paga...
o Camané saía de palco depois das suas actuações e deixava os "putos" brincarem com as músicas com mais pedalada. This town ain't big enough for the both of us foi assim uma loucura de ouvir e ver na interpretação furiosa dramática de David e Manuela. um dueto disputado à antiga.
a caixinha de madeira do David voltou a fazer magia, entranhando-se na perfeição nesta palpitação única de sons e luzes de António. António a milhares de vozes, a uma voz só.
entre recordações, novos sons e muito boa companhia daqueles maravilhosos sete amigos, foram duas horas de pura magia, roçando mas não entrando no revivalismo.
obrigada António Variações. vais viver.
fiquei a uma fila do palco. chão, paredes, tudo branco. uma panóplia de guitarras e outras derivadas, bateria, um piano lindíssimo, um órgão descomunal lá ao fundo, microfones à boca de cena, colunas tapadas com pano branco, amplificadores parecia que saídos dos anos 50, e uma maravilhosa caixinha estranha de madeira que já vi nas mãos do David Fonseca noutras ocasiões. tive tempo para absorver os pormenores que me circundavam porque cheguei cedo. nunca estive tão perto dos artistas e delirei só de pensar que ia poder ver cada expressão, cada tique, cada olhar cúmplice que sei que acontece em palco, qualquer que seja o contexto. já calculava que a única desvantagem seria não poder levantar-me aos saltos... coliseu é assim.
de repente olho para trás e no lugar das cadeiras estava quem as pintou de vermelho no site da ticketline. um mar de gente, tão diferente como velhotas que gostam do Camané, pessoal de meia idade que não ligava ao Variações mas que achava piada ao "Maria Albertina", malta novinha que nem sabia quem era o Variações antes do disco, pessoas como o meu pai - geração António, que o ouviram e admiraram a sua genialidade apesar dos tempos - e gente como eu, que cresceu com o pai a ouvir os LPs, e gostava de Clã e David Fonseca... ou não, mas gostou do disco.
conhecendo a sua música, sei que respeitando-o deram novas vozes e adaptações, arranjos e um toque deste século que o quis, finalmente, abraçar. não se limitaram mas não imitariam. já sabia que não tinham convidado músicos externos ao projecto, que se iam revezar entre os mil instrumentos, que inseririam músicas contemporâneas e provavelmente influências de António Variações. mas não sabia nada e esperei de alma aberta... até te escutar
entraram os músicos, uma das 4 componentes da alma de Variações. eram eles a representação das melodias que ecoariam na sua cabeça ao compôr. branco era a cor de eleição das roupas. depois as 3 vozes, 3 outras partes de António. a sensualidade e infantilidade feminina de Manuela, a loucura e desespero de David e as raízes bem portuguesas de Camané.
começou com um hino a António.
depois seguiu. sem desafinar, sem falhar, sempre a brincar. com a música, com o público, entre eles. em músicos normalmente depressivos encontrava-se uma expressão leve, sorrisos e gargalhadas. o prazer de tocar. a alma de António. aquele homem que nos seus concertos se isolava na roulotte porque ninguém queria conviver com ele, que sofreu na pele a incompreensão da sua pessoa, da sua música, da sua poesia, aqui era livre. para a época era um génio - outcast mas um génio. porque fazia música à frente de si e dos que o rodeavam. hoje seria mais um.
mas foi resguardado, numa caixa de cassetes. até que voltou em forma de novos sons, que, sem dúvida o honrariam e horaram as suas palavras.
escusado será dizer que o rabo não resistiu pregado à cadeira com as batidas irreverentes de músicas como Maria Albertina, Muda de Vida, A Teia, na Lama, Não me Consumas... o público estava louco, inclusive as velhotas arranjadas de laca da zona da orquestra.
em Gelado de Verão vi um rapaz aproximar-se da rapariga que o acompanhava e sussurrar-lhe qualquer coisa ao ouvido que a fez lançar-se-lhe aos braços e de sorriso emocionado dizer que sim com a cabeça. fez-me sentir como é bom testemunhar coisas raras, momentos únicos, mesmo que no anonimato, e saber que a paz e as coisas bonitas nos rodeiam sob as mais diferentes formas. espero que vivam um amor de conserva...
chorei muito quando a minha avó me veio beijar pela Manuela Azevedo em Anjo da Guarda.
saltei em fúria louca com O Corpo é que Paga...
o Camané saía de palco depois das suas actuações e deixava os "putos" brincarem com as músicas com mais pedalada. This town ain't big enough for the both of us foi assim uma loucura de ouvir e ver na interpretação furiosa dramática de David e Manuela. um dueto disputado à antiga.
a caixinha de madeira do David voltou a fazer magia, entranhando-se na perfeição nesta palpitação única de sons e luzes de António. António a milhares de vozes, a uma voz só.
entre recordações, novos sons e muito boa companhia daqueles maravilhosos sete amigos, foram duas horas de pura magia, roçando mas não entrando no revivalismo.
obrigada António Variações. vais viver.
Comentários
Gosto de surpresas :)
ni: bons sons!
bufas: tenta mesmo no coliseu. talvez tenham reservas pra desistências. e não, não tenho nada contra maiúsculas. só que optei por não as usar no blog. pancadas!
Já que não vou, que te tenha feito bom proveito.
Pelo menos leio o teu belo relato.
Beijos!!!
P.S.: Quando o Master Yoda largar o pc largo o Mac e linko-te! :)
Obrigada por partilhares. Soube bem, muito bem.
OK,ok... ja vou embora! é que... mas... na volta... ta bem! xau (a escolha inteligente!) desculpa manchar a imagem do teu blog... Eu fico bem :-(
Adorámos! Cantámos e dançámos ao sabor de cada melodia. Rimos e sorrimos. E saímos de lá contagiados por um certo espírito que ainda hoje não nos abandonou...
**
E neste Gelado de Verão também houve momentos assim, que eu sei! =)
sah ra: tonta, devias ter ido... tss tss... beijo bonequinha.
estranho: espero que sim! vale a pena! e se não tiveres borlas tens mesmo de arranjar uns "chãos" para lavar ehehehe!
wicahpi: com música, partilhar é tão mais fácil. e depois sabes bem o que é crescer com a voz estranha do Variações a badalar no ouvido e um pai desengonçado a "dançar" sala fora ;) jinho
renas: obrigadinha... tanto entusiasmo é raro! cê me dedurou, né? ;))))))))) beijos grandes
elwen: bem-vinda. foi, de facto especial ;) beijos
Beijos Grandes. B.