Avançar para o conteúdo principal

mr. bojangles

conheci-o há uns anos. voz intensa, olhar profundo, humor negro, cruel, delicioso.
pessoa enigmática, com meandros insondáveis. é mesmo assim, caranguejo.
de um charme poderoso, e uma capacidade intelectual fantástica. e o único que dançava comigo.
para falar horas a fio. agora falamos menos, a vida fez questão de nos manter ligados daquela maneira especial em que, apesar de pouco nos vermos, sabemos que estamos por ali, sempre. e saber sempre a pouco.

lembro-me que começámos ao mesmo tempo, mas no seu sangue o talento fervilha sem tempo.
lembro-me de ser uma prostituta e ele o proxeneta. de ele me fazer chorar e no fim vir abraçar-me enquanto o profeshor Lushiano batia palmas à cena.
lembro-me da lavrosca. era uma piada seca à malucos do riso transformada numa gargalhada geral porque saía dele.
lembro-me do fantasma de lençol.
lembro-me da Flóber.
lembro-me de um convencido castelhano que [me] dava apalpões no rabo da moça, e de um marido impotente.

e da voz que gritava no aviso aos espectadores "já se disse para desligar telemóveis..."
e de uma qualquer comparação de uma mulher a uma maçã vermelha. dos solavancos inventados do metro.
"querida mimi: fui violado por um extra-terrestre e agora brilho no escuro..."


lembro-me de rir às lágrimas. sempre.
lembro-me das tiradas geniais que sempre nos enriqueceram e a todos os trabalhos por onde passou. e passará.

e de um sempre-noivo que ainda me faz chorar.

em ti as palavras chegam ao seu sentido.

se fosse uma cidade seria... Lisboa
se fosse um livro seria... a biblioteca toda
se fosse um poema seria... de Mário Henrique Leiria
se fosse um génio seria... Mário Viegas
se fosse uma nota escrita seria... um qualquer caderno de peças inacabadas
se fosse um doce seria... um barquinho de ovos moles
se fosse uma frase seria... "estúpida"

se fosse uma praga seria... "e se fosses ser sodomizado por um elefante sifilítico?"
se fosse uma cor seria... laranja
se fosse uma noite seria... aquela bebedeira de vinho tinto no restaurante ao lado da Barraca, no dia em que o conheci de uma maneira diferente
se fosse um cheiro seria... o dolce&gabanna que me faz levantar a cabeça na rua à sua procura
se fosse uma música seria... mr bojangles no jipinho

estamos sempre nas estreias um do outro.
e eu estou à espera de voltar a pisar o palco com ele. porque foi também com ele que comecei. porque com ele aprendo a cada nova personagem.

é o melhor actor que conheço.
e dos melhores amigos que tenho.

parabéns, Jota.

Mónica Sintra :)

Comentários

Polegarzinho,
Adoro o modo como escreves: identifico-me muito com ele, muito embora o meu seja bastante diferente; como se houvesse algum impulso semelhante...
Sonhei ter o mesmo ofício que tu, mas a vida levou-me para paragens mais contemplativas. Um dos poucos palcos que pisei foi, precisamente, o da Barraca.
Saudades...

Beijinhos
Anónimo disse…
cass: o bom disto é que podes sempre voltar. pode não ser à Barraca (incrível como o pó do palco nos junta em partículas mínimas que se desconhecem). mas podes voltar. é um acto de paixão.
beijinhos
Rantanplan disse…
se isto não é amor...
Alien disse…
É bom rapaz, sim senhor
É bom actor, sim senhor
É bom amigo, sim senhor

Fico com pena de não o conhecer como tu... mas pelo menos tive o prvilégio de o ver pela lente da câmara... ou do outro lado do palco =)

beijos para ti
Anónimo disse…
rantas: é muito amor. amo os meus amigos. estes assim, amo muito.
alien: ah pois, sabes bem do que falo ;)
nuno: e há outra forma de falar de quem nos é precioso?
Anónimo disse…
Muito Bonito!
E muito verdadeiro!
Parabéns a ti e a "nós"!

Beijos Grandes, B.
João disse…
Com quase dois anos de atraso agradeço as palavras. Recordar é transportarmo-nos para os momentos. Obrigado por estares aí sempre.
Lambidelas

Mensagens populares deste blogue

q.b. de q.i.

como é sabido, neste centro de escritórios funciona também uma das maiores agências de castings do país. há enchentes, vagas de gente daquela que nos consegue fazer sentir mais baixos e mais gordos do que o nosso próprio e sádico espelho. outras enchentes há de criancinhas imberbes que nos atropelam no corredor de folha com número na mão. as mães a gritarem hall fora "não te mexas que enrugas a roupinha" ou "deixa-me dar-te um jeitinho no cabelo ptui ptui já está"... e saem e entram e sentam-se e entreolham-se naquele ar altivo as meninas muito compridas e muito fininhas, do alto ainda mais alto dos seus tacões e com a mini-saia pendurada no osso da anca, que o meu patrão já diz "deixem passar dois anos que elas começam a vir nuas aos castings... pouco falta... têm é de vir de saltos altos... isso é que já não descolam dos pés!" bom, nesses dias aceder à casa de banho é um inferno. é que elas enfiam-se lá dentro nos seus exercícios de concentração preferid...

the producers

there comes a time in your life when you have to stand up straight and scream out loud so that everybody can hear: "Who the hell do I have to fuck to have a chance around here?!" The Producers | Mel Brooks | Drury Lane Theatre | Covent Garden quando ouvi isto, soltei a gargalhada amarga que me acompanha nas ironias da vida. agora já nem consigo rir. estou cansada. não dou o cuzinho e três tostões, mas dou o couro e três tostões. não conta, porra?

reviravoltas

[ms] mais uma para o currículo. descansa. estou cá, para te dar a mão. e um dia ainda nos vamos rir... os dois... entretanto, rimo-nos também, que não há mal que não desista à vista dos dentes desgarrados e das barrigadas de nós os dois. porque eu sei o que vales, quanto vales e como vales. e para cada ingrato, grato e meio. os destinos entrançam-se devagarinho. nada acontece por acaso. há quem consiga aguentar o nó na garganta de mão dada. sabes que quando se fecha uma porta... nem que tenha de rebentar uma janela à pancada... o céu troveja porque não sou só eu que estou revoltada... peito cheio, vem aí o vento... vamos apanhá-lo de velas içadas. vamos apanhar a chuvada de boca aberta ao céu... vou sair agora. vens?