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wannabe: o regresso

pois que através de um contacto de uma colega de há muitos anos, que lá pelo seu lado conseguiu chegar a um confortável sucesso entre novelas e anúncios de tv, me chamam para um casting daqueles... já não lhes sentia o cheiro há muito tempo...
mandaram-me um mail com as horas, o local e o texto... uma dessas pérolas das novelas juvenis. nem vale a pena falar na qualidade do que ali se dizia, do mais puro português suburbiano, da viragem retorcida da cena em 6 deixas... uma treta.
mas eu não nego nada. ainda sou das inocentes que acredita que se algum dia puder mostrar a alguém importante um trabalho bem feito, seja em que área for, pode ser que consiga vingar.
claro.

o texto no mail era só o seguinte:
procuram-se jovens entre os 18 e os 23 anos, bonitos, com ou sem acting para protagonizar nova novela da NBP
...
com ou sem acting, mas bonitos, hã? são só os protagonistas...

aquilo desmoralizou-me, obviamente. do alto do meu metro e meio e uns trocos sou a típica portuguesinha... nem mais nem menos. e já não tenho idade para estas concorrências fúteis. se bem que me abanam o ego completamente. não posso negar. ver depois os escolhidos em função dá para desatar à pedrada com o mundo e comigo... porque não há botox nem plásticas que me resolvam àquele ponto.

bem, estava marcado, não se perde nada a não ser uns neurónios só de respirar o mesmo ar que os imberbes que lá andam, saídos das agências de modelos e dos cursos de 100 contos por mês (basicamente o meu ordenado... quando o recebo) com as suas figuras esbeltas, altas, e sérias deficiências na fala.
estou a generalizar, obviamente. mas eu adoro tipões. processem-me.

chego antes da hora. dou de caras com uma folha afixada que avisa: "Procuram-se primas gémeas para episódios de Verão de Morangos com Açúcar". fico logo taxada de maluca pela recepcionista porque abro um sorriso idiota. preencho a minha folhinha de gado (que tinha mais pedidos de informações sobre as medidas do que da experiência na área), entrego o CV que sei que não vão ler, as fotos, tudo lindinho, e enfio o nariz no jornal de forma a poder observar a fauna. sempre é pesquisa de actor... pode calhar-me uma personagem destas...
estão duas raparigas novinhas de umbigo à mostra com o ar mais envergonhado do mundo. sorrio-lhes. nada a declarar. mas há-de haver... uma mãe nervosa preenche o papelinho, não sei se para ela se para a criancinha que olha para todos já com aquele ar... sai um grupinho nitidamente de amiguinhos todos histéricos. primeira vez.

eis que entra a estrela. the moment we've all been waiting for!
saltos altos às bolinhas, saia às riscas, nuances loiras esvoaçantes, camisinha justa, toda fashion com a sua pochette cor de rosa. fala alto para perceberem que chegou, pede o papel do gado e ocupa o balcão da recepção todo, indiferente ao mundo além do umbigo perfeitinho. o namorado segue atrás, cabeça baixa, olhos escondidos no meio da franjinha à cão de água da moda, camisinha Calvin Klein, chaves do Golf novinho na mão. ela alarda que não sabe as medidas que tem, que não sabe o que é "confecção", vai deixar tudo em branco. tá bem, filha, já percebemos.

entra a senhora a perguntar quem está para o casting. as mulas metem silenciosamente as patas no ar. a outra diz logo pelo nariz (como fica bem):
- tou cá eu, mas ainda não acabei de preencher a folha...

a mulher ignora-a e chama-nos.
entramos, somos muito bem recebidas pelo (sempre - não sei como é que eles fazem isto) simpático realizador, dá-nos as dicas e as marcações, estão dois actores para contracenar conosco. começa o circo.
ensaio. corta. repete. não faça assim, venha mais para o centro. a actriz que devia ajudar os "castingandos" ignora os nervos alheios (farta daquilo, de certeza) e fala com uma amiga mesmo no meio das gravações. o pessoal sua das luzes. parecem todos à beira de um ataque de parkinson.
- ai, pá, que estudei tanto isto pá. ganda branca, meu. desculpe lá.
olhos colados na câmara, expressões líricas, caras escondidas no ombro do colega. e eu a retorcer-me na cadeira a pensar "desmarca-te, desmarca-te". parece que estou a assistir a um jogo de futebol.
fiquei para última. faço o que tenho a fazer. o curso de cinema (bons tempos) ainda me vem à alembradura o suficiente para fazer as coisas tecnicamente correctas. emociono-me e tudo, aproveito a tremura da mão para parecer enlevada quando o colega me toca... muahahaha, consegui fazer à primeira!

saímos. a menina dos sapatos às bolinhas, ainda na sala de espera, bufa o lindo cabelo sedoso, já colado à maquilhagem derretida. ainda tenta interpelar a rapariga que nos encaminhou, mas é novamente ignorada. começa a esparvejar com o namorado, foi para isso que ele lá foi.

saio para a rua com o grupinho que fez comigo o casting. vamos a falar, afinal vamos todos de metro. meia dúzia de estações e impressões depois, separamo-nos. mando o meu habitual "muita merda" que os faz abrir um sorriso. e pronto, de volta à vidinha.

merda, correu bem. quer queira quer não, lá vou ficar umas semanas à espera do telefonema.
I'm too old for this.

Comentários

Anónimo disse…
absolutamente... fantástico!
a tua vida dava uma novela. lolol :)
a forma como escreves e descreves... está de mais!
*
O Estranho disse…
E vamos lá ver se não vamos mesmo ver uma bela novela... Pelos vistos com textos de cócó, mas com uma grande participação de metro e meio e uns trocos!
Muita merda
Anónimo disse…
ni: eya! dava uma novela mas o Moniz não a comprava eheheh... ainda bem que gostaste. ;) beijo

estranho: era bom era... o meu lado racional tenta comandar a coisa: olha lá as hipóteses! bem, mas foi engraçado... para não perder a forma. ;) beijo
André Parente disse…
Trim, Trim! ;)
Gostei de ler este e o outo.
Rantanplan disse…
Belo post! não resisti: http://www.escritaxis.com/index.php?title=um_comentario_que_virou_post&more=1&c=1&tb=1&pb=1

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