
[ms]
sustentar na ponta dos pés descalços o peso do corpo. endireitar o pescoço e alongar as costas, os braços. sentir as rugas da carpete poeirenta e o balanço das notas que, invisiveis, perfumam o ar e lhe revoltam os cabelos. primeiro lentamente, num aquecer ruborizado que dá a liquidez do olhar. depois perder o tino e as angústias pelo suor. quebrar os passos sem lhes querer sentido. ondular sem pudores de se tocar. forçar colinas e ondas num terramoto agridoce.
permitir ao fogo que aquece as coxas redimir-se em golpes de tango.
sem pouso definido, a pele vai sentindo a surpresa de cada passo cadenciado, partindo de pontos fluentes e confluentes de uma parede ou do chão. olhos fechados na tontura violenta. sentir as vergastadas com que as madeixas húmidas comprimem os ombros.
estacar numa náusea de prazer ofegante.
e ao fundo o olhar brilhante, voraz, sendento. a figura que se agiganta num paso doble, arrastando-se, impelindo-se pela cintura. o aproximar ardente de olhos fixos que despem e lambem. o envolver das mãos no ponto onde a cintura requebra e o calor dos peitos apertados. o possuir do corpo latejante. o bater dos corações que se compassa. a proximidade perigosa do hálito quente que absorve. e o largar voo perdido nas mãos de um anjo ardente. que despede o corpo controlado dos contornos conhecidos e o arredonda e fixa ao sabor dos seus intentos. ao sabor do que quer ver. o arquear da coluna e o arquejo do peito. silhueta fina e frágil com golpes de chicote, empurra o vento na outra que, possante, o engole. a perna que se descobre longa, orgulhosa sobe ao limite do imaginário. enrola-se com vigor obsceno, descendo, descendo. o suor que escorre sem perdão e que penetra nos lábios entreabertos, o sal misturado de duas vontades selvagens. a luta sem guerra dos corpos.
ali, naquele palco imaginado, hão-de ferver as suas peles, hão-de roçar-se lascivamente até ao limite do silêncio, hão-de gemer as dores e os prazeres confinados, hão-de depois, muito depois, abrandar os ritmos latentes, descansando-os num passo lânguido e esvoaçante, precioso e suave como a primeira passa num cigarro.
Comentários
Obrigado pela visita;)
hei-de aprender um dia a técnica para poder entregar o corpo e o coração a esta arte.
de preferência ao som do "trio esquina" com o corto maltese a espreitar.
Beijinhos