Avançar para o conteúdo principal

Papoilas


A esta hora, há 4 anos atrás, ainda não tinhas partido.
Mas também já não estavas cá.
Um sopro de um qualquer anjo (tenho a certeza) fez-te entrar nesse estado que para nós é ainda um mistério. Dormias. Mas não voltaste a acordar.
Eu tinha falado contigo, nessa cama de hospital, e disse-te, baixinho: "Se quiseres ir, descansar, vai, avó. Nós gostamos muito de ti". Umas horas depois, na manhã seguinte, tinhas voado.
Mas ficaste comigo. Eu sei.
Ainda tenho os pés frios. Ainda me lembro de ti de cada vez que calço umas peúgas. Que faço uma gemada quando não consigo dormir. Que ando de baloiço na Praceta. Que masco uma pastilha Gorila. Que vejo pombos no Rossio. Que encontro a forma de um coração nem que seja num bolo mordido. Que vejo uma papoila no meio do nada.
Estão aqueles dias de Inverno que adoras. Frios e brilhantes.
Estou diferente daquela menina que deixaste. Fui menina até me deixares. Durante 20 anos fui menina.
E se sorrio e brinco e rio, é graças a ti. À doçura que deixaste no meu peito. E de cada vez que sou doce, és tu em mim. Isso e a tua postura. Levantar a cabeça, sempre...
Chorei por ti há pouco tempo. Com saudades. Queria-te aqui. Foste a minha cúmplice. Queria partilhar contigo os meus dias tristes e as minhas doideiras, as minhas batalhas. Queria poder ouvir-te a cantar fado enquanto lavavas a loiça. Queria sentir os teus passos ligeiros no corredor e a tua pele tão macia no beijinho de boa noite. Queria colinho...
Mas estás aí, não estás?
Sinto que sim.
Gosto de ti.

Comentários

Anónimo disse…
Ela está aí e muito orgulhosa com toda a certeza!
Parva! Fizeste-me chorar e estou a trabalhar, não dá jeito nenhum!!
Beijos Enormes

Mensagens populares deste blogue

q.b. de q.i.

como é sabido, neste centro de escritórios funciona também uma das maiores agências de castings do país. há enchentes, vagas de gente daquela que nos consegue fazer sentir mais baixos e mais gordos do que o nosso próprio e sádico espelho. outras enchentes há de criancinhas imberbes que nos atropelam no corredor de folha com número na mão. as mães a gritarem hall fora "não te mexas que enrugas a roupinha" ou "deixa-me dar-te um jeitinho no cabelo ptui ptui já está"... e saem e entram e sentam-se e entreolham-se naquele ar altivo as meninas muito compridas e muito fininhas, do alto ainda mais alto dos seus tacões e com a mini-saia pendurada no osso da anca, que o meu patrão já diz "deixem passar dois anos que elas começam a vir nuas aos castings... pouco falta... têm é de vir de saltos altos... isso é que já não descolam dos pés!" bom, nesses dias aceder à casa de banho é um inferno. é que elas enfiam-se lá dentro nos seus exercícios de concentração preferid

the producers

there comes a time in your life when you have to stand up straight and scream out loud so that everybody can hear: "Who the hell do I have to fuck to have a chance around here?!" The Producers | Mel Brooks | Drury Lane Theatre | Covent Garden quando ouvi isto, soltei a gargalhada amarga que me acompanha nas ironias da vida. agora já nem consigo rir. estou cansada. não dou o cuzinho e três tostões, mas dou o couro e três tostões. não conta, porra?

reviravoltas

[ms] mais uma para o currículo. descansa. estou cá, para te dar a mão. e um dia ainda nos vamos rir... os dois... entretanto, rimo-nos também, que não há mal que não desista à vista dos dentes desgarrados e das barrigadas de nós os dois. porque eu sei o que vales, quanto vales e como vales. e para cada ingrato, grato e meio. os destinos entrançam-se devagarinho. nada acontece por acaso. há quem consiga aguentar o nó na garganta de mão dada. sabes que quando se fecha uma porta... nem que tenha de rebentar uma janela à pancada... o céu troveja porque não sou só eu que estou revoltada... peito cheio, vem aí o vento... vamos apanhá-lo de velas içadas. vamos apanhar a chuvada de boca aberta ao céu... vou sair agora. vens?