Avançar para o conteúdo principal

serendipity



não se encomendava à sorte. gostava de saber que fazia tudo o que estava ao seu alcance. tinha sempre esperança que o esforço recompensasse. mesmo que falhasse, sair sempre de cabeça erguida com a certeza de que perdera por não ter mais para dar. fazer o seu melhor, mesmo nas coisas mais pequenas. não ficar à espera.
mas naquele momento em que os pensamentos lhe chicoteavam a cabeça, desmembrando o vigor da água do chuveiro na pele nua, à luz surgiam apenas sombras.
as lutas travadas sem rei, os trabalhos forçados e os dias perdidos, afastados do sol e dos sorrisos, em prol de um único objectivo. que não queria ter. que a roubava ao que realmente interessa. as coisas de facto tinham perspectivas estranhas na sua cabeça e não conseguia organizar as prioridades como os outros faziam. o normal sufocava-a. mas se procurasse ar ficaria sem chão. o dispensável e o indispensável, presos um ao outro por arneses que lhe estrangulavam a alegria de viver. o chorar ao domingo à noite porque depois é segunda-feira. o sentir-se substituível onde queria sentir-se querida. a responsabilidade e a frustração, dançando à sua frente de mãos dadas, mirando-a jocosas. a incerteza de um amanhã que nem sequer queria mas que se revelava uma estúpida tábua de salvação.

o cheiro forte da madeira, que entesourava junto das motivações e orgulhos, que invocava nos momentos de abandono, agora chegava-lhe vago e apodrecido.

sentia-se prestes a seguir o caminho da água que lhe tentava aquecer o corpo, mas não o espírito. afastou cheiros com o sabonete na pele, seguido de uma generosa dose de creme hidratante. afastou os pensamentos com uma melodia cantada para o eco da casa de banho, ignorando as 8 da manhã.
tinha de haver solução. era apenas uma questão de encontrar o fio à meada. não se encomendava à sorte.
no entanto, ao sair do carro essa manhã, pensou duas vezes antes de se afastar da cigana suja que lhe queria ler a sina.

Comentários

Anónimo disse…
há-de haver solução, há sempre solução! é quando as nossas vidas estam assim, estagnadas, trazendo amargura á boca e tristeza á alma, que de repente tudo dá uma volta de 180º graus! deve estar para breve....
Anónimo disse…
Hoje vi o arco íris, penso que quer dizer qualquer coisa. Passa no meu post do desabafo. Vais ver que isso passa;)
Anónimo disse…
roda da fortuna.
conceito medieval que parece acompanhar toda a gente.
umas vezes para cima outras nem por isso.
como compreendo isso na pele.
estou lá.
nos altos e baixos.
conta com isso
Anónimo disse…
pinky: espero por ela. mas não fico quieta ;)

casual: já desabafei. obrigada pela oportunidade :)

espanta: a dizer-te tenho apenas que sei que estás aqui. sempre. e essa será sempre a luz de presença nas minhas noites de insónia. como espero ser sempre a tua. és a minha carta da estrela :)
Anónimo disse…
Apesar da "distancia" (ainda tenho a tua prenda de Natal, e isso deve significar alguma distancia!!!) também estou aqui e sei o valor que tens!
Conta comigo!

Beijos GRANDES, B.
Anónimo disse…
Serendipity:

1- an aptitude for making fortunate discoveries accidentally

2- restaurant and general store in New York City, famous for its frrrrozen hot chocolate

3- romantic comedy by Miramax featuring John Cusack and Kate Beckinsale about the acts of good fortune which place us within destiny's magical hold
Anónimo disse…
posso reiterar os comments anteriores? ;)

Mensagens populares deste blogue

sabes quando te revisitas e já não te encontras? não sabes o que fazer de ti contigo. as perdas têm sido valentes, as estocadas mais fundas. pensei que por agora a pele estivesse mais grossa, mas não. pensei que estivesse de pés assentes, mas há força nas pernas. perdi o meu pai. perdi o meu chão. espero por uma fase boa. em que esteja tudo bem, organizado. nem que venha depois outra ventania, mas um pedaço de vida em que tudo esteja no seu lugar. só por um bocadinho. mas não. as peças estão espalhadas, quando começo a arrumar umas, caem ao chão as do outro canto da vida. um empilhar de pratos num tabuleiro demasiado cheio, que não se tem oportunidade de ir despejar à cozinha. até as metáforas me saem avariadas, já. tabuleiros de cozinha é o que me sobra. isto são metáforas, certo? é um padrão, o padrão caótico da minha vida, que tento desenhar em palavras que já não tenho. quero despejar-me aqui mas não sei bem como. os medos continuam, sabias? estão piores, diria, porque...

q.b. de q.i.

como é sabido, neste centro de escritórios funciona também uma das maiores agências de castings do país. há enchentes, vagas de gente daquela que nos consegue fazer sentir mais baixos e mais gordos do que o nosso próprio e sádico espelho. outras enchentes há de criancinhas imberbes que nos atropelam no corredor de folha com número na mão. as mães a gritarem hall fora "não te mexas que enrugas a roupinha" ou "deixa-me dar-te um jeitinho no cabelo ptui ptui já está"... e saem e entram e sentam-se e entreolham-se naquele ar altivo as meninas muito compridas e muito fininhas, do alto ainda mais alto dos seus tacões e com a mini-saia pendurada no osso da anca, que o meu patrão já diz "deixem passar dois anos que elas começam a vir nuas aos castings... pouco falta... têm é de vir de saltos altos... isso é que já não descolam dos pés!" bom, nesses dias aceder à casa de banho é um inferno. é que elas enfiam-se lá dentro nos seus exercícios de concentração preferid...

there goes my hero. 1 ano

Pergunto-me o que acharias acerca desta demência toda, desta distopia rocambolesca mas ainda assim não suficientemente diferente do “normal”. Deste bailado em corda bamba da auto-idolatria com os gestos incrivelmente abandonados de ego. Desta atrapalhação profundamente honesta e refinada que se aprende fazendo e se desfaz em ilusões como uma teia fininha. Deste viver no presente forçado, fincados no agora até à dor no pescoço porque agora é que não sabemos mesmo o que vem depois de amanhã.  Provavelmente discutimos aces amente sobre uma merda política qualquer que não controlamos, para a seguir nos estarmos a rir cúmplicemente de qualquer coisa pouco apropriada. Cheira a grelhados, que o vizinho tem quintal, e aí a coisa custa mais. Esse peso bom da mão inteira na cabeça que me guardava a inquietude faz falta. Distopia é não estares aqui. O resto aguenta-se com um cravo ao peito. Contigo cravado no peito.