Avançar para o conteúdo principal

ana

ana é psicóloga, e está nos vintes e uns trocos. ana veste de preto. ana ouve jazz. ana anda sempre de saltos altos. ana fuma muito. ana usa óculos. pretos.

ana passa os dias sentada no seu consultório, em casa, a ouvir as tristezas dos outros.
ana passa os dias a ver a felicidade ao alcance de uma palavra, um gesto, de uns. e a ouvir os estonteamentos de outros, perdidos, completamente perdidos.
ana ouve. ana analisa. ana pergunta e disseca. ana receita-lhes esperanças e prozacs, na sua caligrafia angulosa que criei só para ela.
ana é prática. ana é calmamente explosiva. ana hostiliza o paciente que não é paciente, é só chato, grunho e egocêntrico. e, para ele, a sua receita é um "deixe-se de merdas". porque ele pode não gostar de jazz, pode não comer sushi nem saber o que é a DKNY, mas tem a sua vidinha. vá vivê-la. ele pode.

ana é sensual. ana é volátil. ana tem andar felino. olhar inteligente. irónico. poderoso. luxurioso. e poucos reparam que triste. porque ana é uma caçadora-recolectora. para ana o amor não é, não é? e isso é típico da ana.
ana passa as noites em casa descalça a ouvir a sua música com um whiskey. puro. porque poucos sabem que ela gosta de sentir o frio do chão nos pés. a ligação à terra que só sente nos mosaicos. ou então, noutras noites de fumo e fogo, vai consumir um homem vazio até se alimentar completamente do seu suor, dos gemidos e dos braços viris, do ritmo cadente que a leva ao esquecimento. ana não é possuída, ana possui. para ana os homens são como os cigarros: "sabem bem, consomem-se rápido, e deitam-se fora". diz, na sua voz profunda, que me custa porque arranha cá dentro. como arranha dizer aquilo e saber que ana se arranha quando o diz.
é que ana morreu menina. e ana mulher chora sozinha. quando ninguém está a ver. e as lágrimas caem no mosaico do chão.
mas isso, só eu sei. porque eu sei quem é a ana. eu sou a ana.

Sax

Comentários

Mensagens populares deste blogue

sabes quando te revisitas e já não te encontras? não sabes o que fazer de ti contigo. as perdas têm sido valentes, as estocadas mais fundas. pensei que por agora a pele estivesse mais grossa, mas não. pensei que estivesse de pés assentes, mas há força nas pernas. perdi o meu pai. perdi o meu chão. espero por uma fase boa. em que esteja tudo bem, organizado. nem que venha depois outra ventania, mas um pedaço de vida em que tudo esteja no seu lugar. só por um bocadinho. mas não. as peças estão espalhadas, quando começo a arrumar umas, caem ao chão as do outro canto da vida. um empilhar de pratos num tabuleiro demasiado cheio, que não se tem oportunidade de ir despejar à cozinha. até as metáforas me saem avariadas, já. tabuleiros de cozinha é o que me sobra. isto são metáforas, certo? é um padrão, o padrão caótico da minha vida, que tento desenhar em palavras que já não tenho. quero despejar-me aqui mas não sei bem como. os medos continuam, sabias? estão piores, diria, porque...

the producers

there comes a time in your life when you have to stand up straight and scream out loud so that everybody can hear: "Who the hell do I have to fuck to have a chance around here?!" The Producers | Mel Brooks | Drury Lane Theatre | Covent Garden quando ouvi isto, soltei a gargalhada amarga que me acompanha nas ironias da vida. agora já nem consigo rir. estou cansada. não dou o cuzinho e três tostões, mas dou o couro e três tostões. não conta, porra?

reviravoltas

[ms] mais uma para o currículo. descansa. estou cá, para te dar a mão. e um dia ainda nos vamos rir... os dois... entretanto, rimo-nos também, que não há mal que não desista à vista dos dentes desgarrados e das barrigadas de nós os dois. porque eu sei o que vales, quanto vales e como vales. e para cada ingrato, grato e meio. os destinos entrançam-se devagarinho. nada acontece por acaso. há quem consiga aguentar o nó na garganta de mão dada. sabes que quando se fecha uma porta... nem que tenha de rebentar uma janela à pancada... o céu troveja porque não sou só eu que estou revoltada... peito cheio, vem aí o vento... vamos apanhá-lo de velas içadas. vamos apanhar a chuvada de boca aberta ao céu... vou sair agora. vens?